quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Uma resenha cronológica desde 1890 até 1980


A explosão do espaço: Do Palco Italiano ao Non palco

Apresentação: Esta pequena resenha cronológica enfoca as tendência e os eventos que caraterizaram as pesquisas sobre um novo espaço para encenações desde 1890 até 1980. Para facilitar a leitura as maiores personalidade da época foram divididas em parágrafos separados mesmo que, cronologicamente, os eventos possam ser contemporâneos. Algumas considerações de caráter geral foram introduzidas para auxiliar o enfoque e a compreensão geral da época.

Sumário:
O palco italiano
Antoine
A democratização do teatro
Romain Rolland
Apollinaire
Artaud
Jaques Copeau
Pausa de reflexão
Gordon Craig
Bertold Brecht
Jean Vilar
Jerzy Grotowski
Luca Ronconi
Ariane Mnouchkine
Conclusões
Bibliografia

O palco italiano: Por três séculos o palco italiano foi considerado como o supra-sumo da arquitetura teatral, a solução que oferece as melhores condições de visibilidade e acústica e que possibilita todas as transformações cênicas exigidas pela ação. Mas a partir do fim do IXX século com Antoine começamos a questionar a verdade absoluta destas afirmações.

Antoine: A elaboração da teoria da 4ª parede não seria possível sem o palco italiano. É a posição fixa do espectador que possibilita o seu face-a-face com o espetáculo, aproximadamente a atitude de quem contempla uma pintura. Em maio de 1890, em Théâtre Libre, Antonie denuncia a irracionalidade do espetáculo à italiana: questiona a forma semicircular do teatro afirmando que a visão é prejudicada e que 1/3 dos espectadores não ouvem bem, preconiza racionalização da sala inspirada no teatro construído para Wagner em Bayreuth em 1876 ou seja: Colocar todos os espectadores de frente, dispostos normalmente em planos com declive de tal modo que mesmo o mais afastado se ache ainda numa posição razoável para que seu raio visual abranja completamente a totalidade do palco.

A democratização do teatro: O que conduz sobretudo a um questionamento da estrutura à italiana são as tentativas de democratização do teatro. A sala italiana é o espelho de uma hierarquia social. Que a qualidade desigual das localidades, visibilidade, acústica ou conforto, não deriva de uma impossibilidade técnica e sim de uma divisão social que não admite que o pequeno burguês goze das mesmas condições que o aristocrata..

Romain Rolland: Em 1903 sugere tirar o teatro da sala italiana e transportá-lo em local mais adequado (leia-se mais democrático) ex.: salas de reuniões ou picadeiros, locais que possam receber o povo e as ações do povo. A Uma nova pratica do teatro precisa corresponder uma nova arquitetura. Romain porém não questiona ainda a relação público x espetáculo, trata-se sempre de uma relação fixa ou seja o cara-a-cara.

Apollinaire: No prólogo de As tetas de Tirésias ipotiza um teatro circular com dois palcos um centro e o outro formando como um anel em volta dos espectadores. Esta é a primeira premonição do fim do cara-a-cara, da relação estática entre público e espectadores.

Artaud: No "O teatro e seu duplo", mais ou menos 20 anos depois, pensa em uma arquitetura que permita á ação dramática envolver o espectador sentado no centro do espaço, sobre cadeiras giratórias. A ação se desencadeirerá em diferentes níveis e nos quatros pontos cardeais interligados por um sistema de escadas, passarelas e planos de representação. Já em 1924 aspirava escapar das limitações do placo italiano abolindo o caráter fixo da relação público e espetáculo e que o palco pudesse ser deslocado de acordo com as necessidades da ação. Infelizmente nunca teve a coragem de por em prática as próprias idéias e até nos empreendimentos mais ousados sempre ficou ligado a estrutura à italiana.

Jaques Copeau: Em 1913 Conserva a relação frontal estática mas o palco não está mais separado da sala e sim interligado por uma escada. Como Craig utiliza uma iluminação modulável cuja fonte se situa atrás do público evitando assim o efeito de separação entre espectador e o palco. Elimina o cenário construído, a arquitetura do palco é constituída de uma estrutura fixa em planos horizontalmente sobrepostos, Utiliza a iluminação e o acessório sugestivo para singularizar e animar os espaços.

Pausa de Reflexão: Quais são, enfim, as críticas ao Palco italiano? Desigualdade social perpetuada pela organização da sala, uma relação estática com o espetáculo na qual o espectador tem uma função passiva, não intervém no desenrolar da ação. Artaud foi uns dos que primeiro compreenderam, nos anos 1920, a necessidade de uma explosão do palco. O dado importante é que agora o palco italiano não é mais considerado como uma estrutura natural, inerente à própria essência da arte teatral, e portanto imutável e sim como um sistema aberto que pode ser transformado e aperfeiçoado. Sob esse aspecto dois exemplos são particularmente significativos: o de Craig e o de Brecht.

Gordon Craig: Aceita, o melhor precisa, do palco italiano em função da sua estética que exige a imobilidade do espectador, que, por ele, está observando uma obra de arte, sua única função é de contemplar e admirar uma criação cujo meios e cuja magia devem permanecer um mistério para ele. A busca obsessiva pela perfeição em contraposição as intervenções do acaso e da inconstância humana, sobretudo do ator, fazem Craig sonhar em um teatro sem ator! Craig pretendia extirpar radicalmente a espontaneidade e a improvisação. Mesmo nas suas críticas á sala italiana Craig não questiona à arquitetura nem a posição do expectado por ela condicionada, mas sim um equipamento técnico que não permite atender ás suas (delirantes) exigências. Craig não podia abrir mão do palco ilusionista e da perspectiva tradicional que lhe permitam executar jogos de formas e de volumes, animado pela sombra e pela luz, a amplificação da profundidade da imagem cênica, a invenção dos screens associada a complexos jogos de luz permitiram um puder de sugestão que nunca tinha sido alcançado antes. A introdução dos screens permitiria de passar de um palco estático a um palco cinético, é considerada por Craig tão fundamental que ele considera estar inaugurando, com ela, o quinto palco (1. Anfiteatro grego, 2. Espaço medieval, 3. Tablados Commedia dell’ arte, 4. Palco italiano)

Bertold Brecht: Rejeita a desigualdade social refletida pela sala italiana e condena o ilusionismo e a relação alucinatória que o palco fechado possibilita, nem por isso deixa de conservar na sua pratica os recursos técnicos e a relação frontal estática que caraterizam a estrutura à italiana. Porem não hesita a esvazia-lo te tudo que lhe parece inútil ou perigoso para enchê-lo com tudo que lhe parece necessário ou proveitoso. No fundo acha-se tão pouco apegado à arquitetura tradicional que está literalmente pronto a fazer explodir o palco italiano. Brecht investe contra o pictoralismo (V. Cap. 4) sejam encenações naturalistas, pesquisas simbolistas ou expressionistas, ele pede que o palco se torne uma área de jogo, um espaço concebido em função da representação do ator. Para Brecht não é necessário rejeitar a arquitetura à italiana basta fazê-la trabalhar a próprio favor, em um certo sentido ao contrário, exibindo os recursos técnicos e ajudando a teatralidade a exibir-se. O espectador tem constantemente consciência de estar assistindo uma representação, mantém a distancia dela, não envolve-se mas julga criticamente os fatos que lhe são apresentados. Ironicamente transformações tão profundas na utilização do palco italiano legitimariam a idéia da criação do quinto palco! Ele pede, com efeito, que a arquitetura do palco seja repensada em função de cada espetáculo a ser montado. A estrutura ideal para Brecht seria no fundo uma arquitetura polivalente, suscetível de infinitas modificações. Em 1935 na sua concepção da nova estrutura do teatro Brecht refere-se as pesquisas de Piscador (Teatro Sintético, nunca realizado, extremamente plástico 1927) as experiências expressionistas (Abandono do palco fechado 1918/22) e Max Reinhardt ( Utiliza o picadeiro do circo de Berlim com 3 mil lugares nada de ribalta nada de pano da boca 1919)

Jean Vilar: Ao inaugurar em 1947 o primeiro festival de teatro em Avignon, Vilar tenta resolver vários problemas decorrentes da estrutura italiana. Em primeiro lugar a desigualdade social: Não só à pratica social da identificação (Reconhecimento dos próprios vizinhos de platéia ou balcão) como a de exclusão (Apenas a burguesia dispõe dos recursos para freqüentar o teatro) alem da herança de três séculos de tradição que centralizou todas as atividades teatrais em alguns bairros de Paris. Escolher Avignon correspondia, para Vilar, escapar do monopólio parisiense; Um lugar longe de Paris, um lugar ao ar livre - isso seria o bastante para fazer surgir ao mesmo tempo outro público e outra prática teatral. Sob esse aspecto, o pátio do palácio dos papas, em Avignon permitia o rompimento desejado. Vilar sonhava com um teatro que unisse o público, que abolisse provisoriamente as discriminações sociais. Daí o abandono de qualquer exigência relativa ao traje e a uniformação do status das localidades independentemente da distancia do palco. Não ha duvida que foi essa a primeira vez em que o abandono do palco italiano teve um sucesso retumbante e duradouro. Em 1951 Vilar é nomeado na direção do Théâtre National Populaire no espaço do Théâtre de Chaillot. Este teatro de proporções imensas tanto como palco que como platéia impõem uma transformação da pratica teatral. Vilar elimina tudo aquilo que transformaria o placo em caixinha da mágica. Eliminou o pano de boca e as mutações do espaço cênico faziam-se muitas vezes á vista do público, suprimiu também a ribalta e o tradicional poço da orquestra virou uma extensão do palco até as dependência do teatro não escaparam as reformas do Vilar, não podendo modificar a arquitetura do teatro ele tirou proveito dela criando bares mais funcionais e locais de encontro entre o público e os responsáveis pelo espetáculo e espaços para exposições relacionadas com o espetáculo etc. Continuava subsistindo, porém o estático frente-a-frente sustentado pelas próprias concepções de Vilar: o teatro deve apelar para a reflexão e a compreensão do espectador. Teatro de participação e de emoção, sem dúvida; mas, ao mesmo tempo, lugar de meditação e de interrogação, Vilar herdeiro de Copeau e discípulo de Dullin, considerou que o texto deve ser o núcleo orgânico do espetáculo. Assim sendo, a convenção frontal seria a mais indicada para reunir as pessoas sem aluciná-las. De qualquer modo, a dupla experiência de Vilar - em Avignon e no Chaillot - representou a tentativa mais inovadora da década de 1950 na França.

Jerzy Grotowski: A relação entre o público e o ator torna-se uma relação física ou melhor fisiológica, na qual o choque dos olhares, a respiração, o suor etc., terão participação ativa. O isolamento do espetáculo na caixa do palco italiano, seu afastamento físico do espectador constituem-se obstáculos e devem ser abolidos. O ator grotowskiano deve rejeitar com absoluto rigor qualquer vestígio de exibicionismo e de rotina, habitualmente gerados pelo contato repetido com um público e pela reprodução dos mesmos gestos, do mesmo texto etc. Isso explica a opção por um espaço de dimensões reduzidas ou de um espaço fixo. A busca grotowskiana concentrada no aprofundamento da relação ator-espectador, define-se como teatro pobre, e recusa a ajuda de qualquer maquinaria. Em compensação o dispositivo poderá ser modificado por completo de um espetáculo para outro. Em 1961 com a apresentação da peça "Os antepassados" temos enfim a ruptura total da divisão dos espaços palco e platéia tornam-se um espaço único. Nos dois espetáculos seguintes ( Kordiam: ambientado em um hospício e Fausto [1963] onde os espectadores sentam na mesma mesa onde os atores desenrolam a ação) aperfeiçoam e reforçam essa integração entre ator e espectador que, sem dúvida, nunca foi tão completa na história do teatro. Vale a pena ressaltar que Grotowski realizou também experiências no sentido oposto (Exclusão) quais O príncipe constante e Akropolis onde tenta-se questionar a boa consciência do espectador e o senso lícito do olhar. Grotowski não precisa senão de um espaço nu, suscetível de ser livremente arrumado, quer se trate de uma granja, de um galpão, de uma quadra ao ar livre etc. Enfim a ruptura total com a arquitetura do palco italiano, a libertação que Artaud e Brecht no fundo aspiravam sem poder realizá-la verdadeiramente. Em prejuízo da popularização do espetáculo mas esse é o preço que custa a eficiência, e portanto a razão de ser do espetáculo grotowskiano.

Luca Ronconi: Em 1969 vem apresentado o espetáculo Orlando Furioso que sai dos espaços institucionais e trabalha em cima da relação público espetáculo. No projeto inicial podemos reencontrar uma das idéias de Artaud, o uso de vários tablados e de cadeiras giratórias propiciando assim que o espetáculo nunca seria o mesmo nem para os diversos espectadores de uma mesma sessão, nem para o mesmo espectador, de uma sessão para outra. Estaríamos portanto, diante de um novo tipo de representação, que se poderia chamar de teatro aleatório. Ronconi opta por desinteressar-se da compreensão linear da obra para propor dela uma visão explodida, fragmentada. A reconstrução lógica do conjunto é deixada à iniciativa de cada um. Entretanto Ronconi orienta essa iniciativa, dividendo as diversas cenas em blocos análogos. Desse modo, qualquer seja a sua escolha, espectador assiste, a uma cena do mesmo tipo que teria encontrado em qualquer outro lugar. E a sucessão temporal desses blocos impõe um percurso cronológico semelhante através do qual uma estória permanece legível. A seguir Ronconi modifica seu projeto: em vez de sentados os espectadores ficarão em pé podendo deslocar-se livremente e as cenas serão representadas encima de carrinhos móveis que atravessarão continuamente a multidão. Além da utilização horizontal do espaço na versão definitiva Ronconi utilizará um desdobramento vertical que constitui uma espécie de saudação (Adeus?) ao teatro da tradição italiana. Ronconi determina através do seu espetáculo a desorientação. O espaço não proporciona mais nenhuma zona especializada, a impossibilidade de se situar como público. Em segundo lugar, a surpresa, o espetáculo nunca está lá onde é aguardado. O desconforto do público, empurrado, envolvido nas mais inesperadas ações, impõe, nem que seja em defesa da própria incolumidade, a participação ativa do público no evento. (Desde então torna-se impróprio falar em espectador no sentido da aquele que assiste para falar em público que é já mais próprio as novas condições)

Ariane Mnouchkine: Na França e na mesma época que Ronconi ela e sua equipe do Théâtre do Soleil trabalham no mesmo caminho. Também aqui trata-se de da um basta à rigidez da tradição da estrutura italiana. Criado em 1971 o espetáculo intitulado 1789 (Ano da Revolução Francesa) joga o jogo da teatralidade. Não mostra diretamente as ocorrências históricas. Através de um efeito de teatro no teatro (Metalinguagem), são os saltimbancos que apresentarão ao povo de Paris uma representação dessas ocorrências.. O dispositivo propriamente dito compõe-se de cinco áreas de representação, Interligadas por passarelas. O conjunto delimita um retângulo aberto, no interior do qual tomam lugar os espectadores. Este espaço não é reservado unicamente aos espectadores mas pode ser utilizado também como área de representação ou de passagem dos atores. A estrutura de madeira situa-se no nível do olhar mas não existe separação ou estanque, ou seja os atores podem facilmente passar de área de representação para o chão e vice-versa. Esta estrutura permite uma representação de extrema mobilidade, obrigando os espectadores a uma mobilidade equivalente. Por outro lado, os diferentes espaços de representação permitem ações simultâneas, quer diversificadas e complementares, quer idênticas entre si. Essa participação do público culmina, no meio do espetáculo, com uma festa dentro da festa que se espalha, por todos os tablados e pelo espaço central. Os espectadores são dessa vez, o próprio público da festa, o povo de Paris. Poderíamos multiplicar infinitamente os exemplos, demonstrando não só a inventividade do Théâtre du Soleil, mas também a extraordinária riqueza teatral proporcionada por um dispositivo no entanto bastante simples.

Conclusões Aquilo que em 1969-1971 era exploração do desconhecido e descoberta de uma nova teatralidade impôs-se logo como norma de um tipo de espetáculo adaptado às aspirações de um público cada vez mais indiferente à banalidade e ao academicismo das encenações no espaço à italiana. Se acreditamos a Craig a invenção do quinto palco, então pode-se afirmar que os anos 1970 assistiram ao surgimento de um sexto palco!. A década de 1960 marca um ponto culminante na evolução da pratica teatral contemporânea. Com Grotowski, Ronconi, Mnouchkine e muitos outros o teatro liberta-se das suas amarras. O espaço teatral torna-se uma estrutura completamente flexível e transformável. Agora o teatro pode ser feito em qualquer lugar, a estrutura deste novo espaço pode variar ao infinito. Mas o que é fundamentalmente transformado é a condição do espectador que de simples espectador torna-se agora parte da representação. Por mais ricas e decisivas que pareçam ser essas metamorfoses do espaço teatral, elas não devem, entretanto, causar uma ilusão óptica. É preciso constatar que o grosso dos efetivos do teatro não manifestou ainda nenhuma intenção de trilhar as mesmas pistas. E os palcos italianos, com as suas respectivas platéias, têm ainda pela frente muitos dias de glória!

Bibliografia:

Roubine, Jean Jaques - In: Alinguagem da incenação teatral - Editora Jorge Zahar -1980

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