sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Teatro Imagem

Técnica onde se procura transformar em imagens cênicas aquilo que interessa ao grupo, tais como questões sociais (por exemplo: o preconceito racial), sentimentos ou condições que, passando do abstrato ou imaginário para o concreto, pela visualização da apresentação, torna-se real e, portanto, mais assimilável sua compreensão, debate, questionamento.

Técnica teatral que transforma questões, problemas e sentimentos em imagens concretas. A partir da leitura da linguagem corporal, busca-se a compreensão dos fatos, porque a imagem do real é real enquanto imagem.

O Teatro Imagem surgiu por conta de a gente ter que travar um diálogo com os indígenas que falavam espanhol e eu não conseguia me comunicar bem com eles, então aprimoramos a técnica de trabalhar o teatro a partir de imagens, mais do que palavras.

Um teatro de imagens não baseado no texto, fortaleceu-se nos anos 70,
quando pessoas que tiveram formação teatral com Jacques Lecoq,
por exemplo, ( e também Decroux, Barba, etc), iniciaram uma forma de
teatro mais visual.

Em 1975, Francesco Zigrino trabalhou com o diretor Mario Ricci em peças como
Barbalu e Ulisses di Joyce. Mario Ricci foi um dos representantes do movimento de teatro
experimental e do teatro de imagens na Itália que, na década de 70, foi muito expressivo.
Em Roma, esse momento foi definido como “delle cantine romane”, pois havia vários
grupos de teatro experimentais instalados em porões romanos. Um dos líderes desse
movimento foi Mario Ricci, que trabalhou um tempo com artistas plásticos e com teatro de bonecos na Suécia.

Ele vinha com um grupo
Teatro degli audaci, com a característica do teatro imagem, não era um espetáculo de clown. Mas ele
tinha recentemente feito o trabalho com Jacques Lecoq. Ele estava motivado com aquela idéia
também. Que ele nos jogou. Essa geração foi importante, quando falamos da Tiche, da Quito, de mim,
do Gabriel Vilela, o Plínio Soares, A Soraya, são pessoas que trabalham com isso, então é muito
importante.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

O teatro de Vsiévolod Meyerhold





“O ator sobre a cena é como um escultor frente a um pedaço de argila: deve reproduzir em forma sensível, como o escultor, os impulsos e as emoções de sua própria alma. O material do pianista está representado pelos sons de seu instrumento, o do cantor por sua voz, o do ator por seu corpo, a fala, a mímica, os gestos. A obra interpretada pelo ator representa a forma de sua criação”.

Em 1874 nasceu na Rússia o encenador criador da Biomecânica Vsiévolod Meyerhold. Estudou no Instituto Dramático-Musical da Filarmônica de Moscou, e tendo concluído os estudos formando-se ator, ingressou no recém-fundado Teatro de Arte de Moscou – TAM. Isto ocorreu no ano de 1898, o ano de fundação do teatro-escola de Nemirovich-Danchenko e Constantin Stanislavski.

Danchenko e Stanislavski criaram o TAM para escapar e se contrapor ao tradicionalismo teatral de então, aos clichês repetitivos e enfadonhos, às interpretações baseadas na imitação pela imitação, na cópia servil.

Mas Meyerhold imaginava para si caminhos diferentes, e o desejo de desbravar novos horizontes fez com que, quatro anos mais tarde, abandonasse o teatro de Stanislavski. E rompe anunciando em alto e bom som seus pontos de discordância.

A obsessão desmedida pela exatidão, o realismo explicitado na ênfase aos detalhes e um tipo de interpretação que estimulava a identificação do ator com a personagem eram paradigmas cultuados no TAM, mas que não satisfaziam Meyerhold.

Parte então para uma carreira solo e, já como encenador, inicia uma linha de pesquisas baseada no teatro popular, no teatro alegre e desperto exercitado nas ruas, praças e feiras livres. Em 1906 apresenta “A barraca de Feira” de Alexander Blok, registrando seu encantamento por este universo recém-descoberto, o universo do teatro popular, onde o contato mais íntimo com o espectador e o abandono da tese da ilusão da realidade compõe duas das mais visíveis facetas de sua vertente teatral: o grotesco cênico.

A rica performance corporal dos atores de rua influenciou sobremaneira o grotesco cênico de Meyerhold. Tanto quanto a exploração dos opostos e a incorporação dos elementos e das características das artes circenses.

Avançando em suas experiências, no ano de 1913 cria sua escola de teatro e passa – como seu antigo mestre Stanislavski – a se dedicar também à formação de atores. Neste ponto, as escolas de ambos já se mostram nitidamente diferentes.

Com a revolução, Meyerhold e Maiakovski colocaram-se na linha de frente dos embates políticos, perfilando ao lado dos bolcheviques.

Filia-se ao Partido Bolchevique e em 1918 já estava montando a peça de Vladimir Maiakovski, “Mistério Bufo”, comemorando o primeiro ano da revolução soviética.

Boicotado pelos atores profissionais, Meyerhold lança mão de estudantes e atores inexperientes, sendo que o próprio Maiakovski se vê na obrigação de interpretar três dos papéis da peça.

Ambos vestiram as cores do materialismo dialético, promovendo – nos primórdios - um teatro maniqueísta de pura propaganda política: o bem numa extremidade, o mal na outra; os revolucionários de um lado e os exploradores do outro, bem ao sabor da nova ordem burocrática.

Mas logo compreenderam que este tipo de teatro panfletário deveria corresponder a um período histórico específico, a um movimento limitado no tempo e decidiram enveredar pelo aprofundamento das pesquisas e experimentos com vistas a encontrar um teatro de fato renovador, vívido, provocante.

E apesar do compromisso com a causa revolucionária, da consistência dos espetáculos, dos sucessivos sucessos de público, seu teatro começa a ser taxado pelo estado militarista de “incompreensível para as massas”, e de cultuar em suas montagens “aspectos místicos, eróticos e de espírito associal”.


Ao contrário do que se esperava, a ideologia cultural e artística dos bolcheviques ia se mostrando por demais preservacionista, tradicionalista e autoritária, o que se confrontava com a visão e o ideário de futuristas como Maiakovski e Meyerhold, que perseguiam uma arte em sua essência renovadora, distante do tradicionalismo das antigas elites burguesas, criativa por excelência e libertária por natureza. Colocavam-se assim – sem atinar para o perigo latente - na contra mão das políticas culturais concebidas e implementadas pelo Partido Comunista.

Em contraposição às mostras de teatro tradicionais criou o “Outubro Teatral”, movimento que transformou os teatros em espaços de discussão política e comunhão com os espectadores. Na seqüência dá origem ao ator–tribuno, o artista que não se limita a interpretar seu papel, mas que também agita e atua politicamente, distanciando-se por vezes de sua personagem para fazer com que a mensagem chegue de forma mais clara e límpida ao publico presente nos espetáculos.

Adaptando as idéias produtivistas de Frederick Taylor, a teoria de reflexos condicionados de Ivan Pavlov e os estudos das relações sobre o corpo e as emoções de Willian James, desenvolve a Biomecânica, conjunto de exercícios básicos que ajudam o ator a exercer maior controle sobre o seu corpo em situações dramáticas. A Biomecânica trabalha o vocabulário físico-gestual de modo a assegurar ao ator pleno domínio do que expressa. Mas envereda também pelo estudo das ações físicas com o propósito de decompor cada movimento, possibilitando uma melhor análise dos seus significados e uma leveza e clareza de expressividade.

Para dar consistência aos princípios da Biomecânica, Meyerhold buscou as técnicas de movimento dos atores italianos da época da Commedia dell'arte; e posteriormente inseriu características do teatro Kabuki, configurando assim uma metodologia calcada na moderna tecnologia de então. O criador da Biomecânica assim se manifestava quando se referia aos objetivos da técnica em relação ao ator: “dotá-lo da precisão e da álgebra gestual do teatro de Kabuki, onde cada gesto tenha uma significação convencional definida, resultado de uma tradição de séculos”.

O ator biomecânico é um artista que cultua e exercita a agilidade – do corpo e do raciocínio - o otimismo e a felicidade. Criador simples e despojado prescinde das máscaras naturalistas, dos clichês, disfarces e maquiagem. Este ator encontra-se em um ponto eqüidistante do trabalhador comum que faz teatro e do exímio especialista que nada vê à frente que não seja o teatro. Técnica e consciência de classe tornam o ator de Meyerhold um agente da arte e da história.


Mas a burocracia bolchevique condena no dramaturgo a criatividade sem limites e a preponderância do experimentalismo sobre o componente ideológico. Ávidos por abrir espaço para uma nova cultura encabrestada pelo estado, acusam a vanguarda artística de priorizar a forma em detrimento dos conteúdos revolucionários.

Os burocratas continuavam defendendo e exigindo um teatro em tudo maniqueísta, por demais simplista, esquematizado ao extremo, ao passo que Meyerhold, tomado de impaciência e irritação, começou a criticar as peças e espetáculos que, em suas palavras “qualquer um pode escrever, e qualquer teatro pode montar”.

Nesta altura, Meyerhold já consolidara sua preferência pelo riso solto e aberto, pelos jogos exploratórios dos limites do corpo, pela imersão no teatro popular.


Em 1929 encena com Maiakovski a peça “O Percevejo”. Respondendo às provocações e críticas dos porta-vozes do Kremlin argumenta que a finalidade maior do espetáculo foi “flagelar os vícios de nossos dias” e que Maiakovski “nos faz refletir sobre muitos problemas que já pareciam resolvidos”. Foi a deixa para despertar, de forma definitiva, a ira do stablisment vermelho.

Daí em diante a opressão do Estado, exercida de forma sistemática e onipresente levam Maiakovski e muitos outros ao suicídio. E após submetido a intensa tortura física e psicológica Meyerhold é executado. Neste período da história soviética, mais de 1500 artistas foram submetidos ao mesmo brutal ritual estalinista de seleção cultural.

No teatro, o realismo socialista de Gorki respondia por realismo psicológico e ilusionista, deturpando princípios de Stanislavski, transformando os ensinamentos do grande mestre russo em dogmas que justificassem espetáculos espelhados na desejada realidade revolucionária, conduzindo novamente o espectador à inércia e à passividade.

Ao executar Meyerhold, a burocracia comunista desejava liquidar muito mais que o homem, seus sonhos e suas realizações. Não conseguiu. A Biomecânica, desde o seu nascedouro, tem influenciado de forma decisiva o teatro contemporâneo. Suas pesquisas sobre o teatro popular, sobre a arte mambembe, suas buscas por um ator que experimente e vivencie, ao mesmo tempo, consciência crítica e plasticidade corporal, ajudaram a compor as bases de muitos outros movimentos que – ao longo das ultimas décadas - vêm se sucedendo, e que até hoje eclodem em todos os quadrantes do planeta.


Meyerhold continua vivo e sua metodologia teatral mantém o vigor e a pujança de sempre. Já quanto aos burocratas comunistas áulicos do realismo socialista...

De Meyerhold, o teatro popular de bonecos Mané Beiçudo extraiu o rigor quanto aos exercícios e sobretudo o encantamento à arte irreverente que se pratica nas ruas.

Artigo de Antônio Carlos dos Santos publicado no Jornal Opção, de Goiânia.

Caio Fernando Abreu, um perfil - por Digestivo Cultural

por Digestivo Cultural 

Para quem não conhece Caio Fernando Abreu e sua literatura, ou até conhece, mas muito pouco, uma boa oportunidade para se tornar mais "íntimo" dele e de seus livros é o perfil Caio Fernando Abreu ― Inventário de um escritor irremediável (Seoman, 2008, 192 págs.), escrito pela jornalista Jeanne Callegari.

É verdade que melhor do que ler sobre um escritor é ler a sua obra. Mas não se pode ignorar o fato de que, às vezes, uma boa biografia, um bom perfil ou até mesmo uma boa resenha faz despertar em alguém o interesse de ler determinado autor. E é isso o que acontece durante a leitura deste perfil.

Somos apresentados a um escritor irremediável, como diz o subtítulo do livro. Certos hábitos de sua infância já denunciavam qual seria o provável destino do pequeno Caio. Ele preferia desenhar e escrever, em vez de jogar futebol. As brincadeiras com os amigos envolviam criatividade, invenção de situações e histórias. Ele gostava também de brincar de teatro de marionetes e ir ao cinema. Quando adulto, Caio foi jornalista, escritor e dramaturgo. Se tivesse tempo, seria também cineasta, de tão grande que é a "(...) importância do cinema em seus textos; [Caio] diz que, quando está escrevendo, sempre pensa: onde está a câmera agora? Ele pensa o texto de uma forma cinematográfica...". Se dependesse de Caio, seu romance Onde andará Dulce Veiga? teria sido adaptado para o cinema pouco depois de publicado. Chegou a conversar com o cineasta Guilherme de Almeida Prado, com quem, anos antes, havia escrito um roteiro que não chegou a ser filmado. Roteiro, aliás, que levou o escritor gaúcho a escrever o romance, recentemente adaptado por Guilherme.

A presença da obra de Caio Fernando ― e dele próprio ― é também forte no teatro. Ele chegou até a atuar, além de ter escrito várias peças, todas reunidas no livro Teatro completo (no momento, esgotado).

Nascido no fim da década de quarenta na pequena cidade de Santiago de Boqueirão, no interior do Rio Grande do Sul, Caio Fernando Abreu ― ou simplesmente Caio F., como também é chamado ― desde garoto já dava indícios da personalidade que teria quando adulto: "já se podia perceber alguns comportamentos, ainda incipientes, talvez, mas que viriam a caracterizar o escritor ao longo de uma vida: o enfrentamento, a busca de uma identidade, a vivência de experiências como busca de um significado maior na vida". Essa personalidade autêntica, que o fazia sempre dizer o que realmente pensava, por mais que isso machucasse alguém ou que prejudicasse sua carreira profissional, rendeu a Caio alguns episódios no mínimo curiosos, como quando discutiu, em cadeia nacional, com Rachel de Queiroz, quando esta foi a entrevistada do programa Roda Viva e Caio estava na bancada, fazendo perguntas.

Seu temperamento, muitas vezes intempestivo ― Caio não poupava sequer os amigos ― e por vezes introspectivo em excesso ― ele às vezes passava dois, três dias incomunicável, trancado no quarto ―, talvez fosse reflexo de sua alma atormentada. Seus livros eram bem recebidos e vendiam razoavelmente bem, ele trabalhou ou escreveu para os principais veículos de imprensa do Brasil, seus livros eram traduzidos e lançados no exterior ― o que lhe rendia viagens e convites para dar palestras ―, mas Caio sempre estava com as contas no limite e, apesar de ter êxito em sua carreira literária desde o início, sempre parecia lhe faltar algo.

Essa inquietude não permitiu que Caio fixasse residência em lugar algum. Morou em São Paulo, Campinas (com Hilda Hilst), Rio de Janeiro e algum tempo no exterior. Quase sempre dividindo a moradia com algum amigo, ou morando "de favor", pois não tinha dinheiro para bancar um lugar somente seu. Foi a mesma inquietude que levou Caio a festas undergrounds; e seu comportamento alternativo, suas vivências e algumas de suas amizades o levaram às drogas. Seu espírito libertário ― ou libertino ― e por vezes inconseqüente, o levaram a tornar-se portador do vírus da AIDS, doença que o matou em 1996. Esses dados biográficos são narrados em meio a declarações de amigos, cartas e trechos de obras do autor, que parecem justificar determinadas atitudes de Caio, e assim somos também apresentados aos seus livros, suas temáticas e seu estilo. Mais que isso: os trechos das obras nos fazem chegar a um melhor entendimento de sua personalidade, coisa que às vezes os dados não permitem. É o caso de um trecho do primeiro romance de Caio, Limite branco: "Eu gostaria de ir embora para uma cidade qualquer, bem longe daqui, onde ninguém me conhecesse, onde não me tratassem com consideração apenas por eu ser 'o filho de fulano' ou 'o neto de beltrano'. Onde eu pudesse experimentar por mim mesmo as minhas asas para descobrir, enfim, se elas são realmente fortes como imagino. E se não forem, mesmo que quebrassem no primeiro vôo, mesmo que após um certo tempo eu voltasse derrotado, ferido, humilhado ― mesmo assim restaria o consolo de ter descoberto que valho o que sou".

Vencedor de dois prêmios Jabuti (em 1984 e em 1989, na categoria de contos com os livros Triângulo das águas e Os dragões não conhecem o paraíso, respectivamente; este último também esgotado, por enquanto), Caio F. é um dos poucos escritores que alcançaram a glória literária ainda em vida. Sua obra, que passou algum tempo sem ser repaginada, voltou a ser editada pela editora Agir ― que tem feito um belo trabalho, aliás. Uma pena Caio ter morrido tão precocemente, com apenas 47 anos. Mas certamente não foi em vão. Há muito o que aprender com ele.

Rafael Rodrigues

Brecht e o Teatro Épico


O presente trabalho tem como objetivo discorrer sobre a forma épica de teatro, tendo como parâmetro o dramaturgo Bertold Bretcht e sua peça didática A Exceção e A Regra , de 1930, estreada em 1938, em hebraico, e em 1956, em alemão.

Essa peça é um exemplo clássico de todo o estilo brechtiano de fazer teatro, e um teatro pedagógico. Antes de se iniciar a trama, há um riquíssimo prólogo epistemológico, que nos orienta e convida a perder a ingenuidade e desconfiar de tudo. É essencial esse prólogo para que a estória seja concebida com uma expectativa crítica. Assim, já de início, somos alertados: “achem estranho aquilo que não é estranho, achem difícil de explicar o que é comum, e difícil de entender o que é a regra”, e ainda: “Nunca diga: isso é natural “.
E a trama tem início com uma expedição que parte em busca de consumar um lucrativo comércio em uma cidade chamada Urga. Vários comerciantes partem rumo a essa jornada, cada qual em sua caravana. Uma dessas em especial são os protagonistas da estória, composta de um comerciante, um guia e um carregador. O enfoque em transparecer a luta de classes é bem claro durante todo o desenrolar da trama, desde o início da empresa até o julgamento do comerciante, quando se demonstra que “o abuso é sempre a regra ”. Esse era um dos julgamentos desta peça teatral.
Quanto ao teatro em geral, o dramaturgo alemão exigia dos atores uma interpretação singular, tomando como incentivo o exemplo da reação de pessoas envolvidas em um acidente de trânsito. Pedia que se notasse como essas pessoas, em situações reais, contavam estórias, suas versões da realidade, que notassem como elas se expressavam, e nem eram atores teatrais. Logo, se aquelas pessoas podiam convencer em suas interpretações, um ator deveria fazer melhor, reviver o acontecimento, contagiar o público. Contudo, o espectador deve se manter distanciado desse envolvimento. O ator era um foco essencial para Brecht, um instrumento para construção de sua teoria.
Brecht reformula a produção teatral de uma forma única, desde os temas até a forma como é conduzido o desenrolar da peça. Em A Exceção e A Regra podemos notar como a estória se quebra intencionalmente, a peça retrocede e avança, para que o espectador não entre mesmo muito no embalo e não se perca na fantasia, em um estado de dormência. O espectador deveria estar consciente para refletir. Brecht faz questão de distanciá-lo, para que ele esteja de volta ao mundo real, onde o teatro é uma imitação desta realidade. Não deveria haver vínculo entre espectador e ator.
A intervenção do narrador é também uma característica da forma épica de teatro. Desde o primeiro momento, na referida obra, é-nos avisado que o tema será uma viagem realizada por um explorador e dois explorados, que há algo de anormal ao que se mostrará normal, adverte-nos a olharmos desconfiados para tudo, nessa época de desordem ordenada e humanidade desumanizada.
A interpretação do ator referente a um determinado personagem, por sua vez, deve ser uma relação de interiorização de situações, não de identificação com o personagem. O distanciamento também se dá entre ator e personagem. Para tanto, Brecht adotou o método da Terceira Pessoa e o do Tempo Passado, para auxiliarem no processo de distanciamento. O primeiro método permite um alheamento e objetivação, o ator reflete sobre o que o personagem faria se estivesse em tal situação, etc. O outro método citado dá uma idéia de retrospectiva dos acontecimentos. Assim como um historiador reflete sobre fatos de um passado distante, assim o ator coloca o personagem em relevo e o distancia, como algo que já aconteceu, que está no passado. Por último, há o método das Conversações e Comentários que consiste em falar sobre a direção cênica, colocar duas intenções (a do ator e a do texto) em uma situação antagônica.
Engana-se quem pensa que toda essa forma teatral de distanciamento não provoque emoções no público. Outras emoções são despertadas que não as do teatro convencional. O despertar crítico é também uma manifestação artística.
Quanto à etapa cênica, o ator deve transparecer claramente que ele não é o personagem que representa, que aquilo tudo é um teatro, que ele não está enganando a ninguém nem a si mesmo na transformação do personagem. Seu trabalho técnico é transmitir ao espectador o personagem de maneira mais autêntica possível. O teatro é imitação. No caso brechtiano, também é uma crítica social.
Enquanto na forma dramática de teatro, o ator deve atuar, incluir o espectador na estória, provocar nele sentimentos de modo sugestivo, no teatro épico, o ator narra, faz do público um observador, desperta nele uma atitude, a rever o mundo. Quanto à trama, observa-se no teatro dramático a necessidade de se criar um conflito para que a estória se desenvolva, o progresso desta é linear, uma cena condiciona a seguinte, a estória evolui, e precisa ter um desfecho moral, baseado nos bons costumes, vencendo o bem e derrotando o mal. Já no teatro épico, os acontecimentos não são lineares, cada cena se desenvolve por si mesma, e as sensações provocadas ficam no nível da consciência. E quanto à visão de humanidade, no drama, o homem é algo conhecido de antemão, imutável, fixo, seu pensamento determina o ser, o sentimento o envolve. Para o épico, o homem é um objeto de investigação, está em estado de processo, pode modificar e ser modificado, e o ser social é que determina o pensar, a razão o envolve. Não há o fatalismo dramático e positivista, mas uma indeterminação do ser, praticamente um caos weberiano.
Com isso, A Exceção e A Regra é uma demonstração da forma épica de fazer teatro, com o simbolismo dos personagens demonstrando o capitalismo e os explorados pelo sistema e como isso influencia no comportamento e julgamento humanos.


Vitor Junior