quinta-feira, 18 de outubro de 2007

O SIGNO TEATRAL


Neste breve ensaio Umberto Eco coloca-se frente a ação teatral nas suas formas mais elementares, com o olho do semiólogo, para entender duas coisas:
os problemas que a própria existência de uma ação teatral elementar impõe ao estudioso da significação;
que problemas os estudiosos da significação elaboraram e esclareceram da maneira tal a ponto de poderem oferecer, indiretamente, sugestões úteis a quem se interesse por teatro.

Utiliza-se de uma situação teatral por excelência (Um homem bêbado, apresentado para demonstrar a necessidade da temperança) onde um ser humano é exposto com fins representativos. A sua representatividade não é a da representação teatral , é aquela pela qual um signo representa sempre alguma coisa a mais. Nota-se que o termo "representação" assume uma conotação ambígua sendo ele usado também para indicar um signo.

O teatro é também ficção, somente porque é, antes de mais nada, signo. Não podemos generalizar porque muitos signos não são ficções enquanto, pelo contrário, pretendem denotar coisas realmente existentes. Mas o signo teatral é fictício porque é um signo que finge não ser um signo!

Em síntese, o elemento primário de uma representação teatral; é dado pelo corpo humano que age (Executa uma ação dramática) assumindo "status" de coisa verdadeira, constituindo-se como signo incluindo ao mesmo tempo, como significantes, os movimentos que este executa e o espaço no qual se inscrevem.
Voltando á idéia do bêbado cambaleando, mesmo ele não falando, pode ser considerado como "Palavra" (Indubitavelmente o cambalear é signo, especificadamente índice, de uma ação precedente, é um significante cujo significado é homem bêbado). Esta situação elementar nos permite três tipos de observação:
não é necessária a intencionalidade na emissão do signo e, consequentemente, sua construção artificiosa mas é suficiente que exista uma convenção que nos permita interpretar uma certa situação como signo.

Todavia sendo que o signo foi emitido por alguém (o bêbado) isto nos leva a considera-lo verdadeiro como o fato que consideramos como obra de arte um objeto porque o encontramos em um museu (Ou pelo menos temos que admitir que foi produzido com esta intenção).

Que o nosso bêbado assume contemporaneamente vários significados alguns antipódicamente estruturados. Exemplificando: "Bêbado" ou "Homem bebendo" significa por excelência (antonomásia) "bebedeira", desenvolvendo a antonomásia em metonímia, ele conota "os perigos da intemperança"; e por antônimo elevado por sua vez a antonomásia e desenvolvido em metonímia , significa "as vantagens da temperança".
Porque, para que nosso bêbado signifique "homem bêbado" e, pela corrente retórica já dita, elogio à temperança", não é necessário que seja considerado em todas as suas características físicas. Será por exemplo irrelevante a cor dos cabelos, ou se vestir um paletó preto ao invés que cinza, mas será provavelmente relevante o fato de ele ter o não dentes podres ou extremamente bem cuidados. Um objeto, uma vez considerado signo, funciona como tal para alguns e só por algumas das suas características, não por outras, e, portanto constitui uma abstração, uma construção semiósica.

Imaginando que o bêbado assuma certos comportamentos: mova a língua, articule sons, diga palavras, mova-se em um espaço. Eis três campos de pesquisa semiótica:
A cinésica: esta estuda o significado dos gestos das expressões do rosto, das atitudes motoras, das posturas corporais: como cada um desses traços cinésticos é comunemente codificado.
A paralingüística: esta estuda as entonações, as inflexões de voz o significado diverso de um modo de pronuncia, não exista som emitido entre uma palavra e outra que não seja significativo.

A prossêmica: esta estuda as relações espaciais entre dois o mais seres e as suas implicações na alteração do significado diferencial.
Muitos autores e diretores de teatro utilizam estes modelos de comportamento comunicativo de forma instintiva podendo levar-nos a dizer que a contribuição da semiótica ao teatro é mínima; este descobre os próprios princípios sozinho e por natural e espontânea criatividade, e tanto melhor se o semiólogo lhe proporcionar, depois, ocasião para reflexão. Mas creio que, como a espontaneidade inventiva nutre a reflexão cientifica, também a reflexão cientifica pode potencializar a invenção.

ECO, Umberto. "O signo teatral"; In: Sobre os espelhos e outros
ensaios. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. [pp. 11-44]

Os Mestres do Teatro (Ésquilo, Sófocles, Eurípides)


Ésquilo "O Pai da Tragédia"

1. Um Dramaturgo nas Encruzilhadas
No ano de 525 a C.., Cambises invadiu o Egito e Ésquilo nasceu.
Cada gênio revela um padrão de comportamento. O de Ésquilo foi de estar sempre colocado entre dois mundos ou princípios.
Dez anos antes que Ésquilo, fizesse sua estréia como dramaturgo encenando, em 490, estava na planície de Maratona com o grupo de atenienses que repeliu as hostes do maior império do seu tempo. Aos trinta e cinco anos era herói nacional.
Dez anos mais tarde a população de Atenas foi obrigada a abandonar a cidade que foi completamente destruída pelo invasor.
A civilização helênica foi salva pela momentosa batalha naval de Salamina.
Ésquilo celebrou a vitória sobre os persas escrevendo, oito anos depois, Os Persas.
O sopro épico de suas peças, seu diálogo exaltado, e suas situações, de titânica paixão, pertencem a uma idade heróica.
Há, em sua obra, um sentido de resoluto otimismo: o princípio certo sempre vence em seus conflitos filosóficos e éticos.
No entanto, tão logo os persas haviam sido derrotados, a Grécia começou a se encaminhar para uma nova crise. Sua cidade-Estado torna-se um império e a luta pela hegemonia começa a ocupar o poeta que escreve o seu primeiro drama preservado, As suplicantes.
Ésquilo, filho de uma antiga família estava ao lado da nobreza não deixou de externar sua oposição à nova ordem, sabemos que falou desdenhosamente de jovem poder e governantes adventícios em Prometeu Acorrentado, e acreditava-se que o fato de ter perdido o prêmio de um concurso para seu rival mais jovem, Sófocles, em 468, entrava na esfera de uma repercussão política.
A instauração da nova ordem atingiu até o Areópago (O supremo tribunal de Atenas) despojando-o de muitas das suas prerrogativas mais importantes. Ésquilo usou a tragédia de Orestes, em As Eumênides, para apoiar a instituição vacilante.
Mas é na sua abordagem à religião e à ética que mais afetou a qualidade e significado de suas tragédias. E novamente o encontramos postado entre dois mundos, pois Ésquilo é ao mesmo tempo um místico oriental ou profeta hebreu e um filósofo helênico
Embora apresente marcadas semelhanças com os últimos profetas de Israel, sua concepção de divindade é composta pelo racionalismo helênico. Ésquilo dispensou o politeísmo de seu tempo em favor do monoteísmo.
Investigando o problema do sofrimento humano em sua última trilogia, Ésquilo chega à conclusão de que é o mal no homem e não a inveja dos deuses que destrói a felicidade. A razão correta e a boa vontade são os pilares do primeiro sistema moral que encontra expressão no teatro.
Foi na feição profundamente religiosa de seu pensamento que diferiu dos contemporâneos mais jovens. Uma ponte lançada entre a religião primitiva e a filosofia posterior.
2. Ésquilo e o teatro grego
Ésquilo sustentava corretamente que suas tragédias eram apenas fatias do banquete de Homero. Com efeito a maioria das tragédias possui as qualidades homéricas no ímpeto de suas passagens narrativas e na estatura heróica dos caracteres.
Mesmo com os processos introduzidos por Téspis, as peças ainda não eram mais que oratórios animados, fortemente influenciados pela poesia mélica que exigia acompanhamento instrumental e pela poesia coral suplementada por expressivos movimentos de dança.
O teatro físico também se apresentava rudimentar e o palco tal como o conhecemos era praticamente inexistente.
Novamente no ponto em que os caminhos se dividem Ésquilo precisava escolher entre o quase ritual e o teatro, entre o coro e o drama. Mesmo tendo acentuada predileção pelo coro e pelas danças, Ésquilo trabalhou para aumentar as partes representadas: os "episódios" que, originariamente mereceram partes do drama mas simplesmente apêndices do mesmo. Um outro grande passo na evolução da tragédia foi a introdução do segundo ator.
É útil lembrar que as atores "multiplicavam-se" com o uso de máscaras além que efeitos de multidões podiam ser criados com o uso de participantes "mudos" ou do coro.
Ésquilo cuidava das danças, treinava os próprios coros, utilizava-se de recursos como as pausas demostrando se excelente diretor e encenador, fazendo amplo uso de efeitos que atingiram um nível extremamente elevado considerando-se os escassos recursos técnicos da época.
Destaque merece o fato de Ésquilo criar os figurinos estabelecendo, para eles, caracteres fundamentais. Fiz de seus atores figuras mais impressionantes utilizando máscaras expressivamente pintadas e aperfeiçoando o uso do sapato de altas solas o coturno.
Chegar a introdução, mesmo que rudimental, de uma cenografia foi um passo que um gênio tão versátil deu com facilidade. A decoração do palco, ou seja a construção cênica tornou-se permanente junto a utilização de máquinas que conseguiram obtendo bons efeitos cênicos.
3. O festival de Teatro de Atenas e suas Convenções.
Tudo começou quando Pisístrato transferiu o antigo e rústico festival dionisíaco dos frutos para Atenas criando as Dionisias Urbanas. Outro festival mais antigo (Lenianas) também começou a incluir tanto concursos trágicos quanto cômicos.
As Dionisias Urbanas Começavam com vários rituais religiosos (Procissões cultos ) até entrar na fase mais ligada propriamente ao teatro e ao concursos.
Dois dias eram reservados para as provas ditirâmbicas, um dia ás comédias, com cincos dramaturgos na competição; e três dias à tragédia . Seis dias eram devotados ao grande festival; cinco após 431 a.C. – com cincos apresentações diárias durante os últimos três dias – três tragédias e um "drama satírico" fálico pela manhã uma ou duas comédias à tarde. Três dramaturgos competiam pelo prêmio de tragédia, cada um com três tragédias e um drama satírico, sendo que as peças eram mais ou menos correlatas.
As peças eram cuidadosamente selecionadas por um funcionário público ou arconte que também escolhia o intérprete principal ou "protagonista"
Imediatamente antes do concurso, a ordem dos concorrentes era determinada por sorteio e ao seu término, os vencedores, julgados por uma comissão também escolhida por sorteio, eram coroados com guirlandas de hera.
Pesadamente paramentados, os movimentos dos atores trágicos, eram necessariamente lentos e seus gestos amplos.
Na verdade, devido as dimensões dos teatros, ao atores eram escolhidos por suas vozes. Os bons atores eram tão procurados que logo começaram exigir salários enormes e, quando o talento dramatúrgico se tornara escasso, a interpretação assumiu importância ainda maior que o próprio drama.
Tal como os atores, o coro apresentava-se com variados figurinos e usava máscaras apropriadas á idade, sexo e personalidade das personagens representadas. O coro também não cantava durante todo o tempo, pois algumas vezes usava a fala recitativa e até mesmo coloquial ao dirigir-se aos atores.
O uso do coro no teatro grego tinha por certo suas desvantagens, pois ralentava e interrompia as partes dramáticas da peça. Mas enriquecia as qualidades espetaculares do palco grego o que levou escritores a comparar a tragédia clássica com a ópera moderna.
4. As primeiras Tragédias e a Arte Dramática de Ésquilo
As verdadeiras encenações do teatro ateniense estão irremediavelmente perdidas. Do trabalho de todos os dramaturgos que ganharam os prêmios anuais sobreviveram apenas as peças de Ésquilo, Sófocles, Éuripides e Aristófanes, e mesmo assim por apenas uma fração das suas obras.
Contudo, no caso de Ésquilo, as tragédias remanescentes estão bem distribuídas ao longo de toda a carreira e lançam luz suficiente sobre a evolução de seu estilo e pensamento.
Ésquilo é um mestre do pinturesco. Suas personagens são criaturas coloridas, muitas delas sobrenaturais, orientais ou bárbaras, e suas falas são abundantes em metáforas.
Sue progresso na arte deve Ter sido extraordinariamente gradual, uma vez que as primeiras peças revelam grande preponderância de intervenções corais e apenas os últimos trabalhos mostram-se bem aquinhoados em ação dramática.
Seu primeiro trabalho remanescente, As Suplicantes, provavelmente a primeira peça de uma trilogia, ainda o mostra lutando com o drama coral.
Há maior interesse quanto ao segundo drama remanescente: Os Persas, escrito em 472 a. C. trata de um fato prático contemporâneo, e foi obviamente cunhada para despertar o fervor patriótico.
5. Uma Divina Comédia: A Trilogia de Prometeu
O tema do Prometeu Acorrentado e das peças perdidas que o acompanhavam era Deus em pessoa. Trabalho inesquecível, transbordante de beleza e reflexão e transfigurado por essa personalidade supremamente inspiradora, Prometeu, rebelde contra Deus e amigo do homem. Sua tragédia é o protótipo de uma longa série de dramas sobre o liberalismo.
O tema da trilogia parece ser a evolução de Deus em cumprimento da lei da necessidade. De um tirano jovem e voluntarioso Zeus converte-se em governante maduro e clemente, tão diverso do Zeus da Ilíada quanto o Jeová de Isaías.
6. Tragédia Humana - Édipo e Agamemnon
Após estabelecer uma providência moral no universo, só restava a Ésquilo fazer com que a vontade desta prevalecesse entre os homens. Na primeira delas, uma tragédia de Édipo, Ésquilo recusou as explicações pré-fabricadas e foi além da convencional teoria grega da maldição familiar.
Nos Os Sete Contra Tebas deixa perfeitamente claro que a hereditariedade é pouco mais que uma predisposição. Os crimes cometidos pelos descendentes do corrupto Laio são resultado da ambição, rivalidade e insuficiente predomínio da lei moral durante a idade legendária.
Ésquilo estava galgando novas intensidades em Os Sete Contra Tebas ao voltar-se para a tragédia humana e individual. Chegou ao ápice desta escalada nove anos depois, em sua última e maior trilogia.
A Oréstia, apresentada em 458 a C. , dois anos antes da morte do autor, é novamente a tragédia da uma casa real.. Trata mais uma vez de uma maldição hereditária, que teve início na vago mundo da lenda. Esta trilogia é formada por: o Agamemnon que será vítima de Clitemnestra (Sua esposa) que assim vinga a morte arbitrária da própria filha.
Nas Coéforas, segunda tragédia da trilogia, o filho de Agamemnon, Orestes encontra-se em curioso dilema: em obediência à primitiva lei da vendeta deveria matar os assassinos de seu pai mas a conseqüência deste ato o tornaria um matricida. Depois do assassínio as Fúrias enlouquecem Orestes.
Em As Coéforas, Ésquilo reduz a lie da vendeta um absurdo, posto que, seguida logicamente, leva a um ato ainda mais intolerável do que o assassinato original.
Na parte final da trilogia, As Eumênides, a vendeta é finalmente anulada.
Após diversos anos, Orestes finalmente expiou seu feito através do sofrimento e agora está pronto para enfrentar as Fúrias em julgamento aberto, anta o Areópago. Embora a votação empate este é quebrado em favor de Orestes quando Atená lança o seu voto pela absolvição. Significativamente é a deusa da razão que põe fim à cega e autoperpetuadora lei da retribuição.
Dois anos após a promulgação desse credo, Ésquilo estava morto.
Ésquilo transformara o ritual em drama, trouxera a personalidade humana para o teatro e incluíra a visão espiritual no drama.

Sófocles, O Sereno

O Dramaturgo Feliz
Nascido em 495 a C, trinta anos após seu predecessor, desfrutou das comodidades de filho de um rico mercador e das vantagens de um belo corpo.
Er tão extraordinário por sua graça física que aos dezesseis anos foi escolhido para liderar o coro de meninos que celebrou a vitória de Salamina. Após doze anos mais despendidos no estudo e no treinamento, Sófocles estava pronto para competir com os dramaturgos já em exercício, e não foi outro senão Ésquilo quem perdeu para ele o primeiro prêmio. Esta primeira peça fio seguida por outras cem ou mais, dezoito das quais receberam o primeiro prêmio, sendo que as demais nunca ficaram abaixo do segundo.
Ator consumado, interpretava suas próprias peças. Apenas a relativa fraqueza de sua voz, levou-o a renunciar a profissão de ator. Foi também sacerdote ordenado, ligado ao serviço de dois heróis locais, Arconte e Esculápio; o deus da Medicina.
Em geral não associamos os artistas as altas finanças (Com exceção talvez de Ronald Reagan) mas Sófocles foi até mesmo diretor do Departamento do Tesouro.
Em suma, Sófocles foi o ídolo querido do povo de Atenas, pertencendo à longa linhagem de escritores que negam a teoria de que o gênio nunca pode ser reconhecido enquanto vivo.
Sua vida que durou por noventa anos, não revelou qualquer declínio de seus poderes.
Sófocles era um poeta com uma pureza de expressão que não encontrou paralelo no teatro até que Racine começou a escrever peças para a corte francesa, vinte séculos mais tarde.
Uma narrativa afirma que Sófocles pretendia criar as pessoas tais como deviam ser, enquanto Eurípides as fazia tais como eram, mas devia referir-se a um período anterior que não é representado por qualquer das sete peças remanescentes nas quais nós fornece ampla evidência de possuir tanto a capacidade quanto o desejo de retratar as pessoas tais quais são.
Há dois tipos de sofrimento em suas tragédias – aquele que advém de um excesso de paixão e aquele que brota de um acidente. O mal produzido pelo homem é formado no molde fixo do caráter humano e o acidente decorre da natureza do universo. Embora Sófocles aceitasse oficialmente os deuses gregos, estes não afetavam sua filosofia.
No mundo sofocliano o homem deve esforçar-se para introduzir ordem em seu próprio espírito.
Entretanto é acima de tudo na elaboração artística de suas tragédias que Sófocles cria a ordem, gosto e equilíbrio tão raramente encontráveis no mundo real.
A arte da Dramaturgia de Sófocles
Como todo artista competente, é claro que Sófocles não chegou à sua estatura total repentinamente; experimento, tentou diferentes estilos e lutou diligentemente pela perfeição.
DE início imitou a grandeza de Ésquilo, depois foi para o extremo oposto, adotando uma forma excessivamente lacônica e abrupta e, finalmente encontrou o meio-termo entre ao dois estilos, atingindo o método apaixonado e no entanto contido que caracteriza todas as suas últimas peças; as únicas que chegaram até a nós.
Seu progresso, porém, não ficou confinado ao estilo. Mesmo sendo verdade que não podia violar várias normas e/ou interdições como a eliminação do coro, Sófocles fez a melhor coisa que lhe restava, reduzindo-o ao mínimo e relegando-o ao segundo plano. Podia tomar estas liberdades e sentiu-se também livre para aumentar os limites das complicações dramáticas da peça.
Um primeiro passo dado por ele foi a adição de um terceiro ator interlocutor ao drama ático. Um segundo passo foi a abolição da forma trilógica.
Seu trabalho apresenta forte semelhança com a arquitetura e a escultura do seu tempo, que dava preferência a pequenos templos e estátuas de deuses não maiores que um ser humano bem proporcionado.
Nos detalhes de sua dramaturgia, Sófocles é igualmente um artesão difícil de contentar que calculava seus efeitos. Emprega ironia trágica ou contraste patético com grande habilidade e a efetividade do estratagema é mostrada no poderoso Édipo Rei. Mestre na nascente e difícil arte da caracterização, Sófocles é mestre consumado no artifício do suspense trágico do qual Édipo Rei é um exemplo supremo.
As Peças de Sófocles
Através de vários léxicos e alusões, conhecemos os nomes de mais ou menos cem peças perdidas, atribuídas a Sófocles. A sobrevivência de uma legião de títulos e fragmentos também indicam que Sófocles escreveu algumas peças satíricas ou cômicas muito populares. A partir dos fragmentos recuperados, vários dos quais são de extraordinária beleza, vemos com nitidez absoluta que sua profundidade e lucidez quanto aos problemas do momento em que viveu não estavam restritos ao simples punhado de peças que permaneceu intacto.
A extensão dos poderes dramáticos de Sófocles só pode ser medida completamente nas tragédias integrais de que dispomos. Embora a caracterização das personagens seja sempre um traço primordial, sua obra remanescente pode ser convenientemente dividida em: três peças de caracteres – As Traquinianas, Ajax e Electra; um drama social – Antígona; um idílio – Filoctetes; duas tragédias do destino – Édipo Rei e Édipo em Colona.
Peças de Caracteres
Uma das peças tardias, As Traquinianas é a mais fraca de todas pela falta de unidade desde que o interesse é dividido entre Dejanira e seu marido, e a peça usa mais do recurso narrativo do que costumamos encontrar na obra de Sófocles. Mas a tragédia comporta um poderoso e comovente estudo da mulher ciumenta. Esta peça é desprovida de indagações cósmicas e sociais, deve muito de seu interesse exclusivamente à lúcida analisa das personagens de meia idade.
Mais eficaz é Ajax, uma tragédia anterior, penetrante análise de um soldado corajoso mas hipersensível, que é destruído pelo excesso de suas melhores qualidades. Rematando esse drama de caracteres, Sófocles cria outra de suas bem realizadas mulheres, a escrava Tecmessa. Sófocles revela assim terna visão e compreensão pela condição feminina.
Mas a maior contribuição de Sófocles ao drama de caracteres está em sua Electra, na qual trata o tema de As Coéforas de Ésquilo unicamente em termos da personalidade humana. Para Ésquilo o problema era ético, Sófocles resolve o problema moral e aceita o assassinato materno colocando-o na distante antigüidade. Tendo solucionado a questão ética, volta-se inteiro ao problema da personagem.
A caracterização nessa tragédia á parte de uma trama cuidadosamente elaborada girando ao redor da forma pela qual Orestes obtém acesso a Clitemnestra e Egisto. Dor e alegria alternam-se por toda a peça.
Um Idílio Grego.
Filoctetes exibe o lado mais ameno de sua mestria artística, é uma tragédia apenas no sentido grego (devido à exaltada dramáticidade) ; não faz uso de catástrofe ao final e o espírito da obra é pastoral.
Frases cortantes sublinham os comentários de Sófocles sobre os caminhos do mundo: "A guerra jamais massacra o homem mau", e "Aos saqueadores jamais sopra um vento adverso". Mas a atmosfera dominante é de loucura e luz e o poeta nos assegura que a perversidade do mundo é compensada algumas vezes pela imaculada humanidade.
Entretanto, é significativo que Sófocles apenas tenha atingido sua plena estatura quando, ao invés de contentar-se com simples estudos de personagens e observações mais ou menos fugidas sobre o gênero humano, voltou-se para temas maiores, bem definidos. Há dois deles em sua obra remanescente: as relações do homem com a sociedade e os labirintos do destino.
6. Antígona e o Drama Social
Uma das mais grandes tragédias da literatura dramática é Antígona, escrita em 442, antes de qualquer dos textos de caracteres remanescentes. Sófocles dedica-se aqui a um conflito básico, as pretensões rivais do Estado e da consciência individual.
A questão fundamental á descobrir como estabelecer um termo médio entre esses princípios e evitar a catástrofe quer para o grupo quer para o indivíduo. Afora isso, a oposição ainda mais geral entre amor e ódio lança sua magia sobre toda a peça.
Sófocles não procura desviar o drama em favor de sua heroína, pois reconhece os direitos do Estado e do interesse público.
Embora Sófocles não se incline a resolver a disputa entre o Estado e a consciência individual, contentando-se simplesmente em observar que as conseqüências do conflito tendam a ser trágicas, o ímpeto de sua piedade e de sua caracterização de Antígona lança o peso da simpatia, ao menos quantos aos leitores modernos, para o lado da nobre moça.
Esta deslumbrante tragédia deixa em suspenso diversos problemas que não entregam com facilidade seu significado ao leitor casual.

7. A Tragédia do Destino – Édipo
A mesma batalha com um tema importante e difícil distingue as duas grandes peças que colocam o problema do destino. Usualmente o acidental é considerado um artifício barato e fácil na literatura dramática. Mas não é barato nem fácil no Édipo Rei. O acidente ocorre antes do início da peça e amarra as circunstâncias num nó que só poderá ser desatado após prolongada batalha. Além disso, felizmente, Sófocles estava à altura da tarefa. Es não podia esperar resolver o enigma do destino, ao menos conseguiu uma das incontestáveis obras-primas do mundo. E é novamente seu soberbo Dom para a caracterização que enriquece a simples mecânica da dramaturgia com vida, agonia e plausibilidade.
Como alguém que viu a vida "equilibradamente", segundo suas luzes pagãs recusou-se a codificar a existência do acidente na tragédia. Édipo é uma personagem superlativamente ativa, como se o dramaturgo ático tentasse nos dizer que o destino trabalha através do caráter da vítima. Com efeito o fado encontra forte aliado neste homem corajoso, nobre a de ótimas intenções, cuja única é o temperamento inflamável. Tanto suas virtudes quanto defeitos conspiram contra ele.
Sem ser moralmente responsável, Édipo é psicologicamente responsável pelos tormentos. Consequentemente é uma personagem dinâmica e um sofredor ativo; na verdade, é uma das figuras trágicas da literatura.
A estória de Édipo nos convida a descer às profundezas da antropologia e psicanálise modernas que foram intuitivamente perscrutadas pelos poetas desde tempos imemoriais. Somos relembrados dos impulsos anárquicos e incestuosos que complicam a vida do homem e se exprimiram em tantos tabus primitivos e neuroses civilizadas. Como toda obra de arte superior, esta tragédia tem uma vida dupla: aquela que expressa e aquela que provoca.
A seqüência a esta tragédia, o sereno e encantador Édipo em Colona, escrito muitos anos mais tarde, é o Purgatório e Paraíso do Inferno de Sófocles. O problema do destino inexplicável colocado pelo Édipo Rei não é respondido no trabalho posterior. Mas pelo menos uma solução é indicada: O que o homem não pode controlar, ao menos pode aceitar; o infortúnio pode ser suportado com fortaleza e enfrentado sem sentimento de culpa. Édipo está purgado e curado. E com ele, nós que o seguimos aos abismos imergimos liberados e fortificados.
Logo após a apresentação de Édipo em Colona, em 405 Sófocles foi juntar-se à sombra de Ésquilo. No mesmo ano fatídico falecera também Eurípides e morreria a glória que era a Grécia, pois Atenas sucumbiria ao poderio militar de Esparta. Nenhum mestre da alta arte da tragédia floresceu em Atenas após a morte de Sófocles.


Eurípides, O moderno

O homem barbado que vivia com seus livros numa caverna na ilha de Salamina era um estranho entre os homens de seu tempo. Dizia-se de Eurípides que passava dias inteiros sentado, a meditar, desprezava o lugar comum e era melancólico, reservado e insociável.
Nos cinqüenta anos de teatro, durante os quais escreveu noventa e duas peças, conquistou apenas cinco prêmios, sendo o quinto concedido após sua morte. Permanente alvo dos poetas cômicos, especialmente de Aristófanes, tornou-se objeto das mais desenfreadas calúnias e zombarias.
Julgado por impiedade deixou Atenas totalmente desacreditado. A corte macedônia do rei Arquelau honrou-o. Mas apenas uns dezoito meses depois veio tragicamente a falecer. Eurípides é o exemplo clássico do artista incompreendido.
Sócrates colocava-o acima de todos os outros dramaturgos e jamais ia ao teatro senão quando Eurípides tinha uma de suas peças encenadas. Sófocles respeitava seu colega-dramaturgo, ainda que não aprovasse seu realismo.
A estória de Eurípides é a de um homem que estava fora de sintonia com a maioria. Era um livre-pensador, humanitário e pacifista num período que se tornou cada vez mais intolerante e enlouquecido pela guerra.
Se Eurípides era um acirrado crítico de seu tempo, podia contudo, assinalar com justiça que não fora ele quem mudara e sim Atenas. Rica, poderosa e cosmopolita em virtude de seu comércio e imperialismo, a Atenas de sua juventude ofereceu o solo adequado para a filosofia liberal que mais tarde experimentou dias tão negros.
Eurípides esteve estreitamente ligado à religião que mais tarde questionaria com tão ingrata perseverança. Foi um dos muitos livres-pensadores da Europa, criados numa atmosfera religiosa. Talvez uma certa ligação com religião seja sempre pré-requisito para o agnosticismo ativo.
Eurípides permaneceu suscetível aos valores estéticos da adoração religiosa até o fim de seus dias. Seu fascínio como dramaturgo está nesse dualismo entre o pensamento e a fantasia, entre emoção e a razão.
Os sofistas, que questionavam todas as doutrinas e ensinavam a hábil arte do raciocínio, o enfeitiçaram para sempre. Vário pensadores não convencionais que expunham diversas doutrinas racionalistas e humanistas imbuíram Eurípides de um apaixonado amor pela verdade racional. Foi a partir deles que o primeiro dramaturgo "moderno" desenvolveu o hábito do sofisma em seu diálogo e adotou uma perspectiva social que sustentava a igualdade de escravos e senhores, homens e mulheres, cidadãos e estrangeiros.
Quando Atenas se empenhou na luta de vida ou morte com a Esparta antiintelectual, provinciana e militarista, acorreu em sua defesa não apenas como soldado mas também como propagandista que exaltava seus ideais.
Prolongando-se a guerra com Esparta e sofrendo Atenas derrota após derrota, o povo perdeu a predisposição para a razão e tolerância. Péricles, o estadista liberal, viu sua influência desaparecer, foi obrigado a permitir o exílio de Anaxágoras e Fídias e chegou mesmo a sofrer um impeachment. Um a um, Eurípides viu seus amigos e mestres silenciados ou expulsos da cidade.
Em meio a esses acontecimentos, Eurípides continuou a escrever peças que mantiam em solução os ensinamentos dos exilados, sendo pessoalmente salvo do banimento em parte porque suas heresias eram mais expressas por suas personagens que por ele mesmo e em parte porque o dramaturgo apresentava sua filosofia num molde tradicional. Em aparência era mais formal que o próprio Ésquilo.
O ateniense comum era abrandado por um final convencional, as sutilezas da peça podiam escorregar por suas mãos e seus sentidos exitavam-se com as doces canções e músicas. Euripides pôde continuar em Atenas por longo tempo mesmo sendo considerado com suspeita e suas peças recebendo normalmente o segundo ou terceiro lugar dos vigilantes juizes do festival de teatro.
A estrutura artística desigual e muitas vezes enigmática de seu trabalho prova que foi grandemente cerceado por essa necessidade de estabelecer um compromisso com o público inamistoso. Suas peças freqüentemente têm dois finais: um inconvencional, ditado pela lógica do drama e outro convencional, para o povo, violando a lógica dramática.
Se algumas vezes Eurípides comprou sua liberdade intelectual às custas da perfeição, a compra foi uma barganha em termos de evolução dramática. Enquanto brincava de cabra-cega com seu público, conseguiu criar o mais vigoroso realismo e a crítica social da cena clássica. O povo simples começou a aparecer em suas peças e seus heróis homéricos eram freqüentemente personagens anônimos ou desagradáveis. Outras personagens homéricas com Electra e Crestes são até hoje casos caros à clinica psiquiátrica. Eurípides e o primeiro dramaturgo a dramatizar os conflitos internos do indivíduo sem atribuir a vitória final aos impulsos mais nobres.
A obra de Eurípides constitui, sem dúvida alguma, o protótipo do moderno drama realista e psicológico.
Eurípides poderia sem dúvida Ter continuado a criar poderosos dramas pessoais ad infinitium. Mas a vida tornava-se cada vez mais complicada para um pensador humanista. Em 431, ano de Medéia, Atenas entrou em sua longa e desastrosa guerra com Esparta. Não era momento para um homem como Eurípides preocupar-se com problemas predominantemente pessoais.
Por certo, ao envelhecer, Eurípides pouco fez para granjear a favor de seus concidadãos. Na verdade, atormentavam-no ainda mais do que ao tempo em que escrevia seus mais amargos dramas sociais. Foi declarado blasfemo e sofista. Segundo o poeta cômico Filodemo, Eurípides deixou Atenas porque quase toda a cidade "divertia-se às suas custas".

Bibliografia:

GASSNER, jonn "Mestres do teatro"; Tradução de Alberto Guzik e J. Guinsburg. São
Paulo , Perspectiva, Ed. Da universidade de São Paulo,1974

Marco De Marinis - ITÁLIA


Professor de História da Cenografia e História do Teatro e do Espetáculo no Departamento de Música e Espetáculo da Faculdade de Letras e Filosofia da Universidade de Bolonha. No seu campo de interesses científicos se encontram sobretudo a teoria teatral, a metodologia aplicada ao estudo do teatro, a experiência teatral deste século, com destaque para o chamado "Novo Teatro" do pós-Guerra, e a iconografia teatral. Integra o comitê de redação da revista "Versus-Quaderni di Studi Semiotici", dirigida por Umberto Eco, e é membro permanente da equipe científica da ISTA (International School of Theatre Anthropology), dirigida por Eugenio Barba. É autor de diversos livros, entre os quais "Teatro e Comunicazione" (1977), "Semiotica del Teatro - L‘Analisi Testuale dello Spettacolo" (1982), "Il Nuovo Teatro 1947-1970" (1987) e "Mimo e Teatro del Novecento" (1993). Dirige coleções de estudo e pesquisa teatral para várias editoras da Itália. Conferência transmitida via satélite às Universidades Brasileiras


Marinis prevê aumento da autonomia do ator

sobre o diretor


"Diretor é alguém que ensina aos outros algo que não sabe fazer." A frase, dita por Jerzy Grotowski em 1984, na Itália, foi utilizada por Marco de Marinis para ilustrar sua participação na mesa "A Formação do Diretor e a Ruptura dos Limites das Artes Cênicas", tema do terceiro dia do Fórum de Conferências e Debates do ECUM - Encontro Mundial das Artes Cênicas.


O tema "O Diretor como Espectador Profissional" (nome utilizado por Grotowski na conferência italiana) foi um dos pilares da explanação de Marinis sobre a diversidade de abordagem no trabalho de direção no século 20, intitulada de "La Regia e il Suo Superamento nel Teatro Del Novecento" (A Direção e Sua Superação no Teatro do Século 20". Marco de Marinis ressaltou a mudança de perfil do diretor neste século, organizando sua exposição em cinco momentos: "Esplendor e Miséria do Teatro de Direção", "A Outra Face da Lua: O Diretor Pedagogo", "Um Líder Acima de Tudo", "Como se Tornar Diretor" e "Em Direção a um Teatro de Pós-Direção".


Segundo ele, o diretor todo-poderoso ("demiurgo", em suas palavras) vem dando lugar ao diretor pedagogo (que lança mão da maiêutica, obtendo um conceito geral a partir de análises individuais). Marinis afirma que a transformação abarcou até mesmo alguns pais da dramaturgia moderna, como Constantin Stanislavski e Bertolt Brecht. "Depois de trabalhar por 30 anos com a direção demiúrgica, Stanislavski passou à maiêutica", disse, ressaltando que o teórico russo preconizava um modelo "demiúrgico não-despótico".


De acordo com o professor da Universidade de Bolonha, o diretor pedagogo se distingue pela capacidade de ser líder. "Não basta ter visão cênica. É preciso ter vontade de comandar.", disse. "Mas nem todos podem ser chefes. É preciso verificar se existe dom ou não."


Marinis lamentou a quase inexistência de literatura a respeito do trabalho de direção. "O que existem são brincadeiras, anedotas", disse, lembrando um episódio vivido por Peter Brook. Segundo ele, Brook teria respondido a uma carta em que lhe perguntavam sobre como alguém se torna diretor com um

"se auto-definindo".


Para Marinis, "há um mal-entendido politicamente correto em torno do teatro coletivo". Como exemplo, ele citou uma fala de Eugenio Barba mencionada em biografia escrita por Ferdinando Otaviani. "Não acredito na vocação do diretor escolhido democraticamente pelo grupo. O poder deve ser usado para estimular e não para sufocar." Marco de Marinis aposta que a tendência atual é a do desenvolvimento de um teatro que suprima a direção. Segundo ele, a situação do Odin Teatret, grupo de Eugenio Barba, é exemplar. "Há uma autonomia cada vez maior em relação ao diretor", avalia.


Marinis crê que seja uma "ilusão vã e reacionária" a noção de que pode renascer "o velho teatro de companhias". "Estamos na presença da proposta de uma forma moderna da figura do ator, que cada vez mais

acumula as funções de autor e diretor." Como exemplo, citou nomes como Bob Wilson, Dario Fo e do brasileiro Antonio Nóbrega, de quem assistiu "Figural" na abertura do ECUM. "Falo de um momento de superação, não de dominação. E superar é ultrapassar para a frente."

La Commedia dell'Arte


Pesquisa efetuada em 14/04/1999


Pesquisa efetuada em 14/04/1999

Na capa: Cézanne: Arlecchino


Introdução.

Forma teatral única no mundo, desenvolveu-se na Itália no XVI século e difundiu-se em toda Europa nos séculos sucessivos, a Commedia dell’arte contribuiu na construção do teatro moderno.
Teatro espetacular baseado na improvisação e no uso de máscaras e personagens estereotipados, é um gênero rigorosamente antinaturalista e antiemocionalista.


O texto

O que mais atrai o olhar contemporâneo nas leituras dos canovacci da commedia dell’arte, é a inconsistência deles no que se refere ao conteúdo.
Sendo a comédia um espetáculo ligado fortemente à outros valores como as máscaras, a espetacularidade da recitação, habilidade dos atores, a presença da mulheres na cena, etc..., não tinha necessidade de compor dramaturgias exemplares, novidades de conteúdos ou estilos.
O canovaccio devia obedecer a requisitos de outro tipo, todos funcionais ao espetáculo: clareza, partes equivalentes para todos os atores envolvidos, ser engraçado, possibilidade de inserir lazzi, danças e canções, disponibilidade a ser modificado.
A técnica de improviso que a commedia adotou não prescindiu de fórmulas que facilitassem ao ator o seu trabalho. Diálogos inteiros existiam, muitos deles impressos, para serem usados nos lugares convenientes de cada comédia. Tais eram as prime uscite (primeiras saídas), os concetti (conceitos), saluti (as saudações), e as maledizioni (as maldições).
Na sua fase áurea, o espetáculo da commedia dell’arte tinha ordinariamente três atos, precedidos de um prólogo e ligados entre si por entreatos de dança, canto ou farsa chamados lazzi ou lacci (laços).
A intriga amorosa, que explorou sem limites, já não era linear e única, como na comédia humanista, mas múltipla e paralela ou em cadeia: A ama B, B ama C, C ama D, que por sua vez ama A.


O Encenador

O espetáculo da commedia era construído com rigor, sob a orientação de um concertatore, equivalente do diretor do teatro moderno, e de um certo modo seu inspirador. Aquele, por sua vez, tinha à disposição séries numerosas de scenari, minudendes roteiros de espetáculos, conservados presentemente em montante superior a oitocentos; muitos ainda existem nos arquivos italianos e estrangeiros ser terem sido arrolados.




O Ator.

O ator na commedia dell’arte, tinha um papel fundamental cabendo-lhe não só a interpretação do texto mas também a continua improvisação e inovação do mesmo. Malabarismo canto e outro feitos eram exigidos continuamente ao ator.
O uso das mascaras (exclusivamente para os homens) caraterizava os personagens geralmente de origem popular: os zanni, entre os mais famosos vale a pena citar Arlequim, Pantaleão e Briguela.
A enorme fragmentação e a quantidade de dialetos existentes na Itália do século XVI obrigavam o ator a um forte uso da mímica que tornou-se um dos mais importantes fatores de atuação no espetáculo.
O ator na commedia dell’arte precisava ter "uma concepção plástica do teatro" exigida em todas as formas de representação e a criação não apenas de pensamentos como de sentimentos através do gesto mímico, da dança, da acrobacia, consoante as necessidades, assim como o conhecimento de uma verdadeira gramática plástica, além desses dotes do espírito que facilitam qualquer improvisação falada e que comandam o espetáculo.
A enorme responsabilidade que tinha o ator em desenvolver o seu papel, com o passar do tempo, portou à uma especialização do mesmo, limitando-o a desenvolver uma só personagem e a mantê-la até a morte.
A continua busca de uma linguagem puramente teatral levou o gênero a um distanciamento cada vez maior da realidade.
A commedia foi importante sobretudo como reação do ator a uma era de acentuado artificialismo literário, para demonstrar que, além do texto dramático, outros fatores são significativos no teatro.


O teatro.

Devido as origens extremamente populares a commedia dell’arte por longo tempo não dispus de espaços próprios para as encenações. Palcos improvisados em praças públicas eram os lugares onde a maioria das vezes ocorria o espetáculo. Só no XVII século e mesmo assim esporadicamente a commedia começou a ter acesso aos teatros que tinham uma estrutura tipicamente renascentista, onde eram representados espetáculos eruditos. Já no século XVIII a enorme popularidade deste tipo de representação forçou a abertura de novos espaços para as companhias teatrais. Em Veneza, por exemplo, existiam sete teatros: dois consagrados à opera séria, dois à opera bufa e três à comédia.

Um exemplo de texto.

Homem - Vai-te.
Mulher - Desaparece
H. - ...dos meus olhos.
M. - ... da minha presença.
H. - Fúria com rosto de céu!
M. - Demônio com máscara de amor!
..............................................................

H. - Nem sei o que me retém!
M. - Uma força que eu desconheço me impede que eu parta!
H. - Mas não é amor, bem vês.
M. - Mas pode ter certeza de que não é carinho.
H. - E que te detém?
M. - E quem te faz parar?
H. - Não te quero dar o prazer...
M. - Não terás a alegria...
H. - ... de eu te dizer...
M. - ... de eu te mostrar...
H. - ...que ainda te amo.
................................................................

H. - És demasiado aliciadora!
M. - Tens demasiado poder nos olhos!
H. - A esperança lisonjeia-me...
M. - A beleza anima-me...
H. - ... de te descobrir fiel.
M. - ... de te não achar embusteiro.
H. - És tu que eu amo!
M. - És tu quem me agrada!
H. - Adoro-te!
M. - Idolatro-te!
H. - Minha esperança!
M. - Meu amor!
H. - Minha vida!
M.- Meu bem!
H. - Minha luz!
M. - Meu alento!
H. - Minha deusa!
M. - Meu ídolo!


O declínio: Carlo Goldoni.

Em 1737 Carlo Goldoni na comédia Momolo Cortesão introduz uma novidade significativa: as falas da personagem principal eram totalmente redigidas. O sucesso foi enorme e Goldoni prosseguiu com Momolo Sobre a Brenta e O mercador falido, nas quais as personagens de fala redigida aumentavam em relação aquelas apenas esboçadas. A mulher de garbo foi a primeira comédia inteiramente redigida.
Goldoni contrapunha à tradição bufa da commedia dell’arte uma obra que se apoiava nos caracteres, ou seja, em personagens de individualidade rica e situações nitidamente inspiradas em seu meio social. O teatro devia se aproximar do mundo, revelar seus vícios e virtudes sem esquecer sua função exemplar.
Estavam dados os primeiros passos no sentido da renovação da comédia.


Conclusão.

É sobretudo na herança da commedia dell’arte que o teatro moderno funda as próprias raízes, foi ela que consagrou e fundamentou a verdadeira essência do ator, com Goldoni unem-se harmoniosamente texto, ator e público.
Nasce o teatro da realidade: o novo espetáculo está em cena.


Bibliografia.

Arlequim, Servidor de Dois Amos
Goldoni Carlos
Editora Victor Civitá


Intetnet Sites:

www.triptown.com/lascala/it
http://www.vicenzanew.it/
http://www.nauta.it/
www.ials.org/sat.htm
www.ials.org/cdq.htm
http://www.cgil.it/
http://www.artoline.it/
http://www.theatrelibrary.org/

Uma resenha cronológica desde 1890 até 1980


A explosão do espaço: Do Palco Italiano ao Non palco

Apresentação: Esta pequena resenha cronológica enfoca as tendência e os eventos que caraterizaram as pesquisas sobre um novo espaço para encenações desde 1890 até 1980. Para facilitar a leitura as maiores personalidade da época foram divididas em parágrafos separados mesmo que, cronologicamente, os eventos possam ser contemporâneos. Algumas considerações de caráter geral foram introduzidas para auxiliar o enfoque e a compreensão geral da época.

Sumário:
O palco italiano
Antoine
A democratização do teatro
Romain Rolland
Apollinaire
Artaud
Jaques Copeau
Pausa de reflexão
Gordon Craig
Bertold Brecht
Jean Vilar
Jerzy Grotowski
Luca Ronconi
Ariane Mnouchkine
Conclusões
Bibliografia

O palco italiano: Por três séculos o palco italiano foi considerado como o supra-sumo da arquitetura teatral, a solução que oferece as melhores condições de visibilidade e acústica e que possibilita todas as transformações cênicas exigidas pela ação. Mas a partir do fim do IXX século com Antoine começamos a questionar a verdade absoluta destas afirmações.

Antoine: A elaboração da teoria da 4ª parede não seria possível sem o palco italiano. É a posição fixa do espectador que possibilita o seu face-a-face com o espetáculo, aproximadamente a atitude de quem contempla uma pintura. Em maio de 1890, em Théâtre Libre, Antonie denuncia a irracionalidade do espetáculo à italiana: questiona a forma semicircular do teatro afirmando que a visão é prejudicada e que 1/3 dos espectadores não ouvem bem, preconiza racionalização da sala inspirada no teatro construído para Wagner em Bayreuth em 1876 ou seja: Colocar todos os espectadores de frente, dispostos normalmente em planos com declive de tal modo que mesmo o mais afastado se ache ainda numa posição razoável para que seu raio visual abranja completamente a totalidade do palco.

A democratização do teatro: O que conduz sobretudo a um questionamento da estrutura à italiana são as tentativas de democratização do teatro. A sala italiana é o espelho de uma hierarquia social. Que a qualidade desigual das localidades, visibilidade, acústica ou conforto, não deriva de uma impossibilidade técnica e sim de uma divisão social que não admite que o pequeno burguês goze das mesmas condições que o aristocrata..

Romain Rolland: Em 1903 sugere tirar o teatro da sala italiana e transportá-lo em local mais adequado (leia-se mais democrático) ex.: salas de reuniões ou picadeiros, locais que possam receber o povo e as ações do povo. A Uma nova pratica do teatro precisa corresponder uma nova arquitetura. Romain porém não questiona ainda a relação público x espetáculo, trata-se sempre de uma relação fixa ou seja o cara-a-cara.

Apollinaire: No prólogo de As tetas de Tirésias ipotiza um teatro circular com dois palcos um centro e o outro formando como um anel em volta dos espectadores. Esta é a primeira premonição do fim do cara-a-cara, da relação estática entre público e espectadores.

Artaud: No "O teatro e seu duplo", mais ou menos 20 anos depois, pensa em uma arquitetura que permita á ação dramática envolver o espectador sentado no centro do espaço, sobre cadeiras giratórias. A ação se desencadeirerá em diferentes níveis e nos quatros pontos cardeais interligados por um sistema de escadas, passarelas e planos de representação. Já em 1924 aspirava escapar das limitações do placo italiano abolindo o caráter fixo da relação público e espetáculo e que o palco pudesse ser deslocado de acordo com as necessidades da ação. Infelizmente nunca teve a coragem de por em prática as próprias idéias e até nos empreendimentos mais ousados sempre ficou ligado a estrutura à italiana.

Jaques Copeau: Em 1913 Conserva a relação frontal estática mas o palco não está mais separado da sala e sim interligado por uma escada. Como Craig utiliza uma iluminação modulável cuja fonte se situa atrás do público evitando assim o efeito de separação entre espectador e o palco. Elimina o cenário construído, a arquitetura do palco é constituída de uma estrutura fixa em planos horizontalmente sobrepostos, Utiliza a iluminação e o acessório sugestivo para singularizar e animar os espaços.

Pausa de Reflexão: Quais são, enfim, as críticas ao Palco italiano? Desigualdade social perpetuada pela organização da sala, uma relação estática com o espetáculo na qual o espectador tem uma função passiva, não intervém no desenrolar da ação. Artaud foi uns dos que primeiro compreenderam, nos anos 1920, a necessidade de uma explosão do palco. O dado importante é que agora o palco italiano não é mais considerado como uma estrutura natural, inerente à própria essência da arte teatral, e portanto imutável e sim como um sistema aberto que pode ser transformado e aperfeiçoado. Sob esse aspecto dois exemplos são particularmente significativos: o de Craig e o de Brecht.

Gordon Craig: Aceita, o melhor precisa, do palco italiano em função da sua estética que exige a imobilidade do espectador, que, por ele, está observando uma obra de arte, sua única função é de contemplar e admirar uma criação cujo meios e cuja magia devem permanecer um mistério para ele. A busca obsessiva pela perfeição em contraposição as intervenções do acaso e da inconstância humana, sobretudo do ator, fazem Craig sonhar em um teatro sem ator! Craig pretendia extirpar radicalmente a espontaneidade e a improvisação. Mesmo nas suas críticas á sala italiana Craig não questiona à arquitetura nem a posição do expectado por ela condicionada, mas sim um equipamento técnico que não permite atender ás suas (delirantes) exigências. Craig não podia abrir mão do palco ilusionista e da perspectiva tradicional que lhe permitam executar jogos de formas e de volumes, animado pela sombra e pela luz, a amplificação da profundidade da imagem cênica, a invenção dos screens associada a complexos jogos de luz permitiram um puder de sugestão que nunca tinha sido alcançado antes. A introdução dos screens permitiria de passar de um palco estático a um palco cinético, é considerada por Craig tão fundamental que ele considera estar inaugurando, com ela, o quinto palco (1. Anfiteatro grego, 2. Espaço medieval, 3. Tablados Commedia dell’ arte, 4. Palco italiano)

Bertold Brecht: Rejeita a desigualdade social refletida pela sala italiana e condena o ilusionismo e a relação alucinatória que o palco fechado possibilita, nem por isso deixa de conservar na sua pratica os recursos técnicos e a relação frontal estática que caraterizam a estrutura à italiana. Porem não hesita a esvazia-lo te tudo que lhe parece inútil ou perigoso para enchê-lo com tudo que lhe parece necessário ou proveitoso. No fundo acha-se tão pouco apegado à arquitetura tradicional que está literalmente pronto a fazer explodir o palco italiano. Brecht investe contra o pictoralismo (V. Cap. 4) sejam encenações naturalistas, pesquisas simbolistas ou expressionistas, ele pede que o palco se torne uma área de jogo, um espaço concebido em função da representação do ator. Para Brecht não é necessário rejeitar a arquitetura à italiana basta fazê-la trabalhar a próprio favor, em um certo sentido ao contrário, exibindo os recursos técnicos e ajudando a teatralidade a exibir-se. O espectador tem constantemente consciência de estar assistindo uma representação, mantém a distancia dela, não envolve-se mas julga criticamente os fatos que lhe são apresentados. Ironicamente transformações tão profundas na utilização do palco italiano legitimariam a idéia da criação do quinto palco! Ele pede, com efeito, que a arquitetura do palco seja repensada em função de cada espetáculo a ser montado. A estrutura ideal para Brecht seria no fundo uma arquitetura polivalente, suscetível de infinitas modificações. Em 1935 na sua concepção da nova estrutura do teatro Brecht refere-se as pesquisas de Piscador (Teatro Sintético, nunca realizado, extremamente plástico 1927) as experiências expressionistas (Abandono do palco fechado 1918/22) e Max Reinhardt ( Utiliza o picadeiro do circo de Berlim com 3 mil lugares nada de ribalta nada de pano da boca 1919)

Jean Vilar: Ao inaugurar em 1947 o primeiro festival de teatro em Avignon, Vilar tenta resolver vários problemas decorrentes da estrutura italiana. Em primeiro lugar a desigualdade social: Não só à pratica social da identificação (Reconhecimento dos próprios vizinhos de platéia ou balcão) como a de exclusão (Apenas a burguesia dispõe dos recursos para freqüentar o teatro) alem da herança de três séculos de tradição que centralizou todas as atividades teatrais em alguns bairros de Paris. Escolher Avignon correspondia, para Vilar, escapar do monopólio parisiense; Um lugar longe de Paris, um lugar ao ar livre - isso seria o bastante para fazer surgir ao mesmo tempo outro público e outra prática teatral. Sob esse aspecto, o pátio do palácio dos papas, em Avignon permitia o rompimento desejado. Vilar sonhava com um teatro que unisse o público, que abolisse provisoriamente as discriminações sociais. Daí o abandono de qualquer exigência relativa ao traje e a uniformação do status das localidades independentemente da distancia do palco. Não ha duvida que foi essa a primeira vez em que o abandono do palco italiano teve um sucesso retumbante e duradouro. Em 1951 Vilar é nomeado na direção do Théâtre National Populaire no espaço do Théâtre de Chaillot. Este teatro de proporções imensas tanto como palco que como platéia impõem uma transformação da pratica teatral. Vilar elimina tudo aquilo que transformaria o placo em caixinha da mágica. Eliminou o pano de boca e as mutações do espaço cênico faziam-se muitas vezes á vista do público, suprimiu também a ribalta e o tradicional poço da orquestra virou uma extensão do palco até as dependência do teatro não escaparam as reformas do Vilar, não podendo modificar a arquitetura do teatro ele tirou proveito dela criando bares mais funcionais e locais de encontro entre o público e os responsáveis pelo espetáculo e espaços para exposições relacionadas com o espetáculo etc. Continuava subsistindo, porém o estático frente-a-frente sustentado pelas próprias concepções de Vilar: o teatro deve apelar para a reflexão e a compreensão do espectador. Teatro de participação e de emoção, sem dúvida; mas, ao mesmo tempo, lugar de meditação e de interrogação, Vilar herdeiro de Copeau e discípulo de Dullin, considerou que o texto deve ser o núcleo orgânico do espetáculo. Assim sendo, a convenção frontal seria a mais indicada para reunir as pessoas sem aluciná-las. De qualquer modo, a dupla experiência de Vilar - em Avignon e no Chaillot - representou a tentativa mais inovadora da década de 1950 na França.

Jerzy Grotowski: A relação entre o público e o ator torna-se uma relação física ou melhor fisiológica, na qual o choque dos olhares, a respiração, o suor etc., terão participação ativa. O isolamento do espetáculo na caixa do palco italiano, seu afastamento físico do espectador constituem-se obstáculos e devem ser abolidos. O ator grotowskiano deve rejeitar com absoluto rigor qualquer vestígio de exibicionismo e de rotina, habitualmente gerados pelo contato repetido com um público e pela reprodução dos mesmos gestos, do mesmo texto etc. Isso explica a opção por um espaço de dimensões reduzidas ou de um espaço fixo. A busca grotowskiana concentrada no aprofundamento da relação ator-espectador, define-se como teatro pobre, e recusa a ajuda de qualquer maquinaria. Em compensação o dispositivo poderá ser modificado por completo de um espetáculo para outro. Em 1961 com a apresentação da peça "Os antepassados" temos enfim a ruptura total da divisão dos espaços palco e platéia tornam-se um espaço único. Nos dois espetáculos seguintes ( Kordiam: ambientado em um hospício e Fausto [1963] onde os espectadores sentam na mesma mesa onde os atores desenrolam a ação) aperfeiçoam e reforçam essa integração entre ator e espectador que, sem dúvida, nunca foi tão completa na história do teatro. Vale a pena ressaltar que Grotowski realizou também experiências no sentido oposto (Exclusão) quais O príncipe constante e Akropolis onde tenta-se questionar a boa consciência do espectador e o senso lícito do olhar. Grotowski não precisa senão de um espaço nu, suscetível de ser livremente arrumado, quer se trate de uma granja, de um galpão, de uma quadra ao ar livre etc. Enfim a ruptura total com a arquitetura do palco italiano, a libertação que Artaud e Brecht no fundo aspiravam sem poder realizá-la verdadeiramente. Em prejuízo da popularização do espetáculo mas esse é o preço que custa a eficiência, e portanto a razão de ser do espetáculo grotowskiano.

Luca Ronconi: Em 1969 vem apresentado o espetáculo Orlando Furioso que sai dos espaços institucionais e trabalha em cima da relação público espetáculo. No projeto inicial podemos reencontrar uma das idéias de Artaud, o uso de vários tablados e de cadeiras giratórias propiciando assim que o espetáculo nunca seria o mesmo nem para os diversos espectadores de uma mesma sessão, nem para o mesmo espectador, de uma sessão para outra. Estaríamos portanto, diante de um novo tipo de representação, que se poderia chamar de teatro aleatório. Ronconi opta por desinteressar-se da compreensão linear da obra para propor dela uma visão explodida, fragmentada. A reconstrução lógica do conjunto é deixada à iniciativa de cada um. Entretanto Ronconi orienta essa iniciativa, dividendo as diversas cenas em blocos análogos. Desse modo, qualquer seja a sua escolha, espectador assiste, a uma cena do mesmo tipo que teria encontrado em qualquer outro lugar. E a sucessão temporal desses blocos impõe um percurso cronológico semelhante através do qual uma estória permanece legível. A seguir Ronconi modifica seu projeto: em vez de sentados os espectadores ficarão em pé podendo deslocar-se livremente e as cenas serão representadas encima de carrinhos móveis que atravessarão continuamente a multidão. Além da utilização horizontal do espaço na versão definitiva Ronconi utilizará um desdobramento vertical que constitui uma espécie de saudação (Adeus?) ao teatro da tradição italiana. Ronconi determina através do seu espetáculo a desorientação. O espaço não proporciona mais nenhuma zona especializada, a impossibilidade de se situar como público. Em segundo lugar, a surpresa, o espetáculo nunca está lá onde é aguardado. O desconforto do público, empurrado, envolvido nas mais inesperadas ações, impõe, nem que seja em defesa da própria incolumidade, a participação ativa do público no evento. (Desde então torna-se impróprio falar em espectador no sentido da aquele que assiste para falar em público que é já mais próprio as novas condições)

Ariane Mnouchkine: Na França e na mesma época que Ronconi ela e sua equipe do Théâtre do Soleil trabalham no mesmo caminho. Também aqui trata-se de da um basta à rigidez da tradição da estrutura italiana. Criado em 1971 o espetáculo intitulado 1789 (Ano da Revolução Francesa) joga o jogo da teatralidade. Não mostra diretamente as ocorrências históricas. Através de um efeito de teatro no teatro (Metalinguagem), são os saltimbancos que apresentarão ao povo de Paris uma representação dessas ocorrências.. O dispositivo propriamente dito compõe-se de cinco áreas de representação, Interligadas por passarelas. O conjunto delimita um retângulo aberto, no interior do qual tomam lugar os espectadores. Este espaço não é reservado unicamente aos espectadores mas pode ser utilizado também como área de representação ou de passagem dos atores. A estrutura de madeira situa-se no nível do olhar mas não existe separação ou estanque, ou seja os atores podem facilmente passar de área de representação para o chão e vice-versa. Esta estrutura permite uma representação de extrema mobilidade, obrigando os espectadores a uma mobilidade equivalente. Por outro lado, os diferentes espaços de representação permitem ações simultâneas, quer diversificadas e complementares, quer idênticas entre si. Essa participação do público culmina, no meio do espetáculo, com uma festa dentro da festa que se espalha, por todos os tablados e pelo espaço central. Os espectadores são dessa vez, o próprio público da festa, o povo de Paris. Poderíamos multiplicar infinitamente os exemplos, demonstrando não só a inventividade do Théâtre du Soleil, mas também a extraordinária riqueza teatral proporcionada por um dispositivo no entanto bastante simples.

Conclusões Aquilo que em 1969-1971 era exploração do desconhecido e descoberta de uma nova teatralidade impôs-se logo como norma de um tipo de espetáculo adaptado às aspirações de um público cada vez mais indiferente à banalidade e ao academicismo das encenações no espaço à italiana. Se acreditamos a Craig a invenção do quinto palco, então pode-se afirmar que os anos 1970 assistiram ao surgimento de um sexto palco!. A década de 1960 marca um ponto culminante na evolução da pratica teatral contemporânea. Com Grotowski, Ronconi, Mnouchkine e muitos outros o teatro liberta-se das suas amarras. O espaço teatral torna-se uma estrutura completamente flexível e transformável. Agora o teatro pode ser feito em qualquer lugar, a estrutura deste novo espaço pode variar ao infinito. Mas o que é fundamentalmente transformado é a condição do espectador que de simples espectador torna-se agora parte da representação. Por mais ricas e decisivas que pareçam ser essas metamorfoses do espaço teatral, elas não devem, entretanto, causar uma ilusão óptica. É preciso constatar que o grosso dos efetivos do teatro não manifestou ainda nenhuma intenção de trilhar as mesmas pistas. E os palcos italianos, com as suas respectivas platéias, têm ainda pela frente muitos dias de glória!

Bibliografia:

Roubine, Jean Jaques - In: Alinguagem da incenação teatral - Editora Jorge Zahar -1980

Notas Sobre Alguns Diretores


Antonin Artaud: Já em 1924 aspirava escapar das limitações do placo italiano abolindo o caráter fixo da relação público e espetáculo. hipótizou que o palco pudesse ser deslocado de acordo com as necessidades da ação. Infelizmente nunca teve a coragem de por em prática as próprias idéias e até nos empreendimentos mais ousados sempre ficou ligado a estrutura à italiana. Artaud denuncia o ator ocidental coerentemente com a sua recusa de qualquer teatro governado pela psicologia e, de modo mais geral, pelo texto literário. Quando descreve o ator de Bali, ele exprime, pelo contraste, a sua aversão ao realismo ocidental. Arataud sonha com um ator que consiga libertar-se dos imponderáveis circunstanciais e renunciar à sua "liberdade de interprete, alcançando uma disciplina vocal e um domínio corporal tão totais que se torne capaz de emitir, no momento oportuno, exatamente o "signo" que é solicitado a produzir. Uma supermarionete em suma. O que Artaud denuncia na prática ocidental é um duplo condicionamento, uma dupla alienação: submissão ao significado ou à ressonância psicológica das palavras, submissão ao estereótipo mimético. Arataud recrimina o ator ocidental por ter perdido a faculdade do grito..


Augusto Boal: Criador de várias técnicas teatrais entre quais lembramos: o teatro fórum, o teatro do oprimido, o teatro invisível. Extremamente sensível aos problemas sociais representa os seus espetáculos pelo Brasil afora, exortando os oprimidos a reagirem contra os seus opressores. Mas quais opressores? "Usávamos nossa arte para dizer verdades, para ensinar soluções: ensinávamos os camponeses a lutarem por suas terras, porém nós éramos da cidade grande, ensinávamos aos negros a lutarem contra o preconceito racial, mas éramos quase todos alvíssimos; ensinávamos ás mulheres a lutarem contra seus opressores. Quais? Nós mesmos, pois éramos feministas-homens, quase todos. Valia a intenção." Boal critica o jeito de representar dos atores brasileiros legados TBC não porque o teatro fosse mal feito mas porque cheio de trejeitos que impediam o ator de se expressar. Em contraposição Boal introduz de maneira sistemática as técnicas de Stanislavski que tinha aprendido nos EUA


Bertold Brecht: Rejeita a desigualdade social refletida pela sala italiana e condena o ilusionismo e a relação alucinatória que o palco fechado possibilita, nem por isso deixa de conservar na sua pratica os recursos técnicos e a relação frontal estática que caraterizam a estrutura à italiana. Ele pede que o palco se torne uma área de jogo, um espaço concebido em função da representação do ator. O espectador tem constantemente consciência de estar assistindo uma representação, mantém a distancia dela, não envolve-se mas julga criticamente os fatos que lhe são apresentados. Para Brecht é preciso inventar um outro ator, portanto novas técnicas de interpretação, ao mesmo tempo que uma nova definição de suas tarefas no campo da interpretação. Inventar um ator que pelo seu desempenho incite o espectador a questionar-se. Questionar-se sobre o comportamento dos personagens; sobre as ações que estes empreendem ou se recusam a empreender; sobre as relações de força que subjazem às relações sociais etc. Um ator que sabia evitar a hipnose do espectador, lembrando-lhe, através dos processos do distanciamento, que o palco não é a imagem de um mundo subitamente tornado inofensivo, que o espetáculo não imita a realidade, mas permite enxergá-la.


Constantin Stanislavski: O bom ator não deve praticar em absoluto uma representação a base da emoção. O que deve é utilizar a sua experiência mais íntima para encontrar dentro de si mesmo uma emoção verdadeira. Ao mesmo tempo, ele deva dispor de um tal domínio técnico que possa controlar as manifestações dessa emoção: modular e orientar sua utilização para fins interpretativos. Esse domínio pode ser adquirido através de um treinamento apropriado baseado num trabalho simultâneo sobre o corpo, a respiração, a voz ... e numa articulação permanente entre a introspeção e a interpretação. Esse trabalho deve também travar uma luta permanente contra as facilidades e os condicionamentos que decorrem de toda prática teatral mais ou menos submissa às pressões da tradição, dos hábitos do público, da rotina que vive à custa de uma encenação forçada a repetir-se noite após noite etc.


Gordon Craig: Precisa, do palco italiano em função da sua estética que exige a imobilidade do espectador, que, por ele, está observando uma obra de arte, sua única função é de contemplar e admirar uma criação cujo meios e cuja magia devem permanecer um mistério para ele. A busca obsessiva pela perfeição em contraposição as intervenções do acaso e da inconstância humana, sobretudo do ator, fazem Craig sonhar em um teatro sem ator! Craig pretendia extirpar radicalmente a espontaneidade e a improvisação. Para Craig o ator que se entrega aos seus impulsos não pode mais ser considerado como um instrumento confiava do espetáculo, uma vez que este deve visar a uma rigorosa perfeição formal e a uma total coerência. "A arte é a antítese do caos, que não passa de uma avalancha de acidentes." Também ele crítica a própria arte do ator, o caráter mimético da interpretação, a confusão entre o interprete e o personagem que não passa de um engodo. O desejo de identificação afetiva desemboca na incoerência (Os acidentes ou nos estereótipos esperados pelo publico.


Jerzy Grotowski: A relação entre o público e o ator torna-se uma relação física ou melhor fisiológica, na qual o choque dos olhares, a respiração, o suor etc., terão participação ativa. O isolamento do espetáculo na caixa do palco italiano, seu afastamento físico do espectador constituem-se obstáculos e devem ser abolidos. O ator grotowskiano deve rejeitar com absoluto rigor qualquer vestígio de exibicionismo e de rotina, habitualmente gerados pelo contato repetido com um público e pela reprodução dos mesmos gestos, do mesmo texto etc. Isso explica a opção por um espaço de dimensões reduzidas ou de um espaço fixo. A busca grotowskiana concentrada no aprofundamento da relação ator-espectador, define-se como teatro pobre, e recusa a ajuda de qualquer maquinaria. Em compensação o dispositivo poderá ser modificado por completo de um espetáculo para outro. Em 1961 com a apresentação da peça "Os antepassados" temos enfim a ruptura total da divisão dos espaços palco e platéia tornam-se um espaço único. Nos dois espetáculos seguintes ( Kordiam: e Fausto) aperfeiçoam e reforçam essa integração entre ator e espectador que, sem dúvida, nunca foi tão completa na história do teatro. A novidade mais marcante do teatro grotowskiano reside sem dúvida numa redefinição de função e da arte do ator. Este deixa de ser o ilusionista ou o imitador do palco tradicional. O ator passa a ser o seu próprio personagem, e a representação não é mais a simulação, quer realista ou estilizada, de uma ação, mas um ato que o ator cumpre, e cuja essência ele tira do mais profundo de si mesmo. É o ato do desvendamento.


Zeami "Conhecer o Nô significa conhecer os procedimentos relativos a flor. Esses procedimentos nada mais são do que conhecer-se a si mesmo, conhecer o outro e reconhecer o momento propício." Substancialmente a flor, segundo Zeami, não é outra coisa se não o insólito que sente o espectador, ou seja, a flor é a imagem do Belo que suscita o sentimento do espectador através da linguagem de representação. Assim, o Belo da flor que se reflete nos olhos do público e a alma da flor que nasce do sentimento do ator, formam o verso e o reverso de uma mesma flor, que se misturam sutilmente, refletindo a complexidade deste termo. podemos reconhecer três níveis nos graus de arte concebidos por Zeami: O nível do grau de bem estar (este grau de perfeição vem alcançado pelo ator após numerosos exercícios). O nível do grau de maturidade (O ator graça a sua habilidade transforma um estilo incorreto em correto).E o grau da maravilha (Onde todo pensamento ou idéia desaparece para deixar lugar apenas a maravilha).

Bibliografia:

ROUBINE, Jean Jaques - In: A linguagem da Encenação teatral -
Editora Jorge Zahar -1980

GROTOWSKI, Jerzy - "Em busca de um teatro pobre", Rio Civilização Brasileira, 1971.

STANISLAVSKI, Constantin. - "A preparação do ator", Rio, Civilização Brasileira, 1970.

GIROUX, Sakae Murakami -"Zeami: cena e pensamento Nô" São Paulo. Perspectiva. Fundação Japão; Aliança cultural Brasil-Japão, 1991.

O Homem e seu pertencer a grupos

"O grupo precede ao indivíduo, isto é, as origens da formação espontânea de grupos têm suas raízes no grupo primordial, tipo a horda selvagem..."

(W.R.Bion).

Neste breve artigo tentaremos conceitualizar o grupo, analisar os comportamento dos membros do mesmo do início até o consolidamento da estrutura de grupo e enfim abordaremos as categorias de interação no grupo.

CONCEITUAÇÃO DE GRUPO

O ser humano é gregário por natureza e somente existe, ou subsiste, em função de seus inter-relacionamentos grupais. Sempre, desde o nascimento, o indivíduo participa de diferentes grupos, uma constante dialética entre a busca de sua identidade individual e a necessidade de uma identidade grupal e social.

Um conjunto de pessoas constitui um grupo, um conjunto de grupos constitui uma comunidade e um conjunto interativo das comunidades configura uma sociedade.

A importância do conhecimento e a utilização da psicologia grupal decorre justamente do fato de que existe em todo indivíduo passa a maior parte do tempo de sua vida convivendo e interagindo com distintos grupos. Assim, desde o primeiro grupo natural que existe em todas as culturas - a família nuclear, onde o bebê convive com os pais, avós, irmãos, babá, etc., e, a seguir, passando por creches, escolas maternais e bancos escolares, além de inúmeros grupos de formação espontânea e os costumeiros cursinhos paralelos, a criança estabelece vínculos diversificados. Taís grupamentos vão se renovando na vida adulta, com a constituição de novas famílias e de grupos associativos, profissionais, esportivos, sociais, etc.

A essência de todo e qualquer indivíduo consiste no fato dele ser portador de um conjunto de sistemas: desejos, identificações, valores, capacidades, mecanismos defensivos e, sobretudo, necessidades básicas, como a da dependência e a de ser reconhecido pelos outros, com os quais ele é compelido a conviver. Assim, como o mundo interior e o exterior são a continuidade um do outro, da mesma forma o individual e o social não existem separadamente, pelo contrário, eles se diluem, interpenetram, completam e confundem entre si.

Com base nessas premissas, é legítimo afirmar que todo indivíduo é um grupo (na medida em que, no seu mundo interno, um grupo de personagens introjetados, como os pais, irmãos, etc., convivem e interagem entre si). da mesma maneira como todo grupo pode comportar-se como uma individualidade (inclusive podendo adquirir a uniformidade de uma caracterológica específica e típica, o que nos leva muitas vezes a referir determinado grupo como sendo "um grupo obsessivo", ou "atuador ", etc.).

É muito vaga e imprecisa a definição do termo "grupo ", porquanto ele pode designar conceituações muito dispersas num amplo leque de acepções. Assim, a palavra "grupo" tanto define, concretamente, um conjunto de três pessoas ( para muitos autores, uma relação bipessoal já configura um grupo) como também pode conceituar uma família, uma turma ou gangue de formação espontânea; uma composição artificial de grupos como, por exemplo, o de uma classe de aula ou a de um grupo terapêutico; uma fila de ônibus; um auditório; uma torcida num estádio; uma multidão reunida num comício, etc. Da mesma forma, a conceituação de grupo pode se estender até o nível de uma abstração, como seria o caso de um conjunto de pessoas que, compondo uma audiência, esteja sintonizado num mesmo programa de televisão; ou pode abranger uma nação, unificada no simbolismo de um hino ou de uma bandeira, e assim por diante.

Existem, portanto, grupos de todos os tipos, e uma primeira subdivisão que se faz necessária é a que diferencia os grandes grupos ( pertencem à área da macro-sociologia ) dos pequenos grupos ( micropsicologia). No entanto, vale adiantar que, em linhas gerais, os microgrupos - como é o caso de um grupo terapêutico - costumam reproduzir, em miniatura, as características sócio-econômica-políticas e a dinâmica psicológica dos grandes grupos.

Em relação aos microgrupos também se impõe uma necessária distinção entre grupo propriamente dito e agrupamento. Por "agrupamento ‘entendemos um conjunto de pessoas que convive partilhando de um mesmo espaço e que guardam entre si uma certa valência de inter-relacionamento e uma potencialidade em virem a se constituir como um grupo propriamente dito. pode servir de exemplo a situação de uma "serialidade" de pessoas, como no caso de uma fila à espera de um ônibus: essas pessoas compartem um mesmo interesse, apesar de não estar havendo o menor vínculo emocional entre elas, até que um determinado incidente pode modificar toda a configuração grupal. um outro exemplo seria a situação de uma série de pessoas que estão se encaminhando para um congresso científico: elas estão próximas, mas como não se conhecem e não estão interagindo elas não formam mais do que um agrupamento , até que um pouco mais adiante podem participar de uma mesma sala de discussão clínica e se constituírem como um interativo grupo de trabalho. Pode-se dizer que a passagem da condição de um agrupamento para a de um grupo consiste na transformação de "interesses comuns " para a de "interesses em comum ".

O que, então, caracteriza um grupo propriamente dito? Quando o grupo, quer seja de natureza operativa ou terapêutica, preenche as seguintes condições básicas mínimas, está caracterizado

  • Um grupo não é um mero somatório de indivíduos; pelo contrário, ele se constitui como nova entidade, com leis e mecanismos próprios e específicos
  • Todos os integrantes do grupo estão reunidos, face a face, em torno de uma tarefa e de um objetivo comuns ao interesse deles.
  • O tamanho de um grupo não pode exceder o limite que ponha em risco a indispensável preservação da comunicação, tanto visual como a auditiva e a conceitual.
  • Deve haver a instituição de um enquadre ( setting ) e o comprimento das combinações nele feitas. Assim, além de ter os objetivos claramente definido, o grupo deve levar em conta a preservação do espaço ( os dias e o local de féria, etc.), e a combinação de algumas regras e outras variáveis que delimitem e normalizem a atividade grupal proposta.
  • O grupo é uma unidade que se comporta com uma totalidade, e vice-versa, de modo que, tão importante quanto o fato de ele se organizar a serviço de seus membros, é também a recíproca disso. Cabe uma analogia com a relação que existe entre as peças separadas de um quebra-cabeças e deste com o todo a ser armado.
  • Apesar de um grupo se constituir como nova entidade, com uma identidade grupal própria e genuína, é também indispensável que fiquem claramente preservadas, separadamente, as identidades específicas de cada um das indivíduos componentes do grupo.
  • Em todo grupo coexistem duas forças contraditórias permanente em jogo: uma tendente à sua coesão, e a outra, à sua desintegração.
  • A dinâmica grupal de qualquer grupo se processa em dois planos, tal como nos ensinou Bion: um é o da intencionalidade consciente (grupo de trabalho), e o outro é o da interferência de fatores inconscientes (grupos de supostos básico). É claro que, na prática, esses dois planos não são rigidamente estanques, pelo contrário, costuma haver uma certa flutuação e superposição entre eles.
  • É inerente à conceituação de grupo a existência entre os membros de alguma forma de interação afetiva, a qual costuma assumir as mais variadas e múltiplas formas.
  • Nos grupos sempre vai existir uma hierárquica distribuição de posições e de papéis, de distintas modalidades.
  • É inevitável a formação de um campo grupal dinâmico, em que gravitam fantasias, ansiedades, mecanismos defensivos, funções, fenômenos resistências e transferências, etc., além de alguns outros fenômenos que são próprios e específicos dos grupos.

Início de um grupo

As pessoas ao se reunirem, e antes de se configurarem como um grupo, vivem o medo da "aglutinação", experimentam a ansiedade de integrarem-se um grupo desconhecido, sem normas pré-estabelecidas, o espaço está aberto à iniciativas pessoais e grupais.

Nesse momento grupal de aglutinação, as relações interpessoais são superficiais, efêmeras.

A tarefa a ser realizada é a grande motivadora das expectativas, criando condições favoráveis ao estabelecimento de relações vinculares entre os integrantes.

Ao início do grupo, quando o medo da aglutinação não é superado, o que permitiria efetivamente o início do processo grupal, pode surgir o mito da aprendizagem por osmose: as pessoas não precisam se expor, nem investir na comunicação.

Os integrantes tornaram-se membros passivos, sem esforço pessoal. A nutrição vem de fora, e os vínculos entre as pessoas são de dependência, ou de hospitalidade, caracterizando a falta de investimento pessoal, e uma consciência precária da realidade grupal. O estar junto depende mais de circunstâncias acidentais ou externas a cada pessoa. Por exemplo, o chefe mandou, preciso do emprego, etc.

Os integrantes não estão ali porque que fazem algo juntos. Cada um está presente e permanece por razões estritamente individuais. Qualquer indício de ameaça, a esse jeito de estar no grupo, é vivido como perigo, invasão inapropriada e indesejada.

A superação dessa situação inicial, dá lugar ao processo de relações vínculares próprio de um grupo. O processo grupal possuí três situações:

Eu não sou você

É o primeiro indício de que iniciou-se a interação grupal, de que começa a ocorrer a dialética mundo interno-mundo externo entre os integrantes; significa a possibilidade do início de um vínculo de mútua representação interna.

Nesse momento grupal há uma forte defesa do individualismo. Por exemplo, há agressividade nos pedidos e nas exigências. A afirmação da individualidade é em forma de negação. "Ouçam bem" eu não sou você, e nem pretendo ser ...".

O integrantes falam de expectativas pessoais, podendo confrontá-las com os objetivos grupais. Vive-se a rebeldia, pois se de um lado, dependem de alguém fora do grupo, vivendo as necessidades próprias com alto teor de voracidade ( esperando tudo do coordenador, ou de alguém com posição de liderança ), por outro lado, rejeitam o que vem de encontro ao esperado. Por exemplo, não ouvem as dicas do líder externo.

As resistências à mudança estão literalmente no "limite da pele" das pessoas, qualquer olhar, ou qualquer proposta é sentida como oposição, agressão, invasivo desrespeito. os integrantes somam-se uns aos outros. A comunicação vai permitindo alguns elos entre os integrantes. A contradição presente é Sujeito X Grupo.

Esse momento é facilitador do processo grupal, pois as pessoas superam a anterior situação de "não-grupo".

Quando essa situação grupal não é superada, os integrantes passam a viver com o mito do auto-abastecimento: "eu sou genial", "eu posso abastecer o grupo com o que eu produzo". há sabotamento a tudo que pode unificar o grupo. há sabotamento da tarefa, e o grupo geralmente vive hora em pré-tarefa. Há campo propício ao surgimento da lideranças negativas, os líderes de resistência à mudanças: o sabotador - que desvia o grupo da tarefa ( exemplo recente - o apoio de Brizola à Lula no segundo turno das eleições presidenciais - o que Brizola falou não teve coerência com as atitudes que tomou, ou seja, dizia querer Lula na presidência, mas comportou-se de forma a gerar uma reação contrária a essa aparente intenção ).

A relação entre os integrantes são marcadas por forte competição, não havendo papéis complementares.

Eu sou você

É uma situação grupal que nega a anterior. Desenvolve-se meio concomitante ao primeiro momento. A partir das apresentações, os integrantes tomam conhecimento de "quem somos juntos neste grupo". As pessoas começam a superar o narcisismo; começam a partilhar o que fazem, como se chamam, que expectativa trazem.

As resistências à mudança agora não estão nos limites da pele cada um, mas nos limites do grupo: "Somos todos iguais". Não registram diferenças entre si. Por exemplo, todos estão confusos, todos esperam maior clareza da tarefa. Todos partilham as mesmas expectativas. A contradição presente é "grupo X coordenador". Depositam no coordenador as causas dos males que os afligem.

Não havendo superação desta situação, o grupo passa a viver o mito da uniformidade. As diferenças são abolidas pois o grupo teme os confrontos. As pessoas se expressam cuidadosamente evitando agressões e discordâncias. Tal mito pode ser instrumental se facilitar a dialética mundo interno-mundo externo, por tornarem facilitados os vínculos. Mas tornar-se-á um obstáculo se a ralação simbiótica não for superada, impedindo o reconhecimento das diferenças e a partir destas, as semelhanças em torno da tarefa.

Eu sou como você

É o momento de síntese dos anteriores. A primeira negação é superada, e o integrante consegue desenvolver a situação em que "eu sou como você".

Implica em reconhecer as diferenças e as semelhanças. Os vínculos são discriminados, ou seja, há reconhecimento, dos próprios limites, e dos outros.

Há reconhecimento dos integrantes do grupo: conservam a própria identidade, mas ao mesmo tempo: percebem que precisam perder o individualismo e criar uma identidade grupal.

É um momento grupal em que não há mitos; em que não há transferências ( a transferência determina uma distância entre a situação real do grupo e a situação fantasiada pelos integrantes ).

Entre os integrantes a distância é ótima. A fantasia é instrumental permitindo a empatia entre os integrantes. Há menor ansiedades de perda e ataque, permitindo que os integrantes se envolvam os objetivos comuns.

A produção grupal envolve a totalidade de seus membros, conseguindo-se uma permanência grupal mais estável.

CATEGORIAS DE INTERAÇÃO NO GRUPO

R. Bales (1950), em seu clássico estudo sobre o processo de interação, discerniu doze categorias que representam funções de participação num grupo de trabalho, cujo objetivo principal consiste na resolução de problemas.

As categorias distribuem-se em duas áreas de ocorrência: a área de tarefa e a área sócio-emocional. A primeira é considerada neutra e engloba os comportamentos de perguntas e tentativas de respostas. A segunda pode ser positiva ou negativa, conforme as relações emocionais manifestas dos participantes.

A área de tarefa compreende as funções ao nível de interação de conteúdo ou canalização de energia para a consecução dos objetivos comuns do grupo, enquanto a área sócio-emocional compreende as funções de manutenção do próprio grupo.

Os indivíduos no grupo desempenham papéis relacionados às categorias de interação nos dois níveis, tarefa e sócio-emocional. Esses papéis são assumidos formal ou informalmente no curso dos processos de interação. Mesmo quando um papel formal é atribuído a um indivíduo, ele geralmente assume, também, um outro papel informal.

Os papéis assumidos com mais freqüência tendem a caracterizar a atuação do indivíduo no grupo. Assim, ao nível da tarefa, uma pessoa quase sempre inicia as atividades, propõe ou sugere ao grupo maneiras de abordar as tarefas ou cursos de ação, enquanto outra pessoa dinamizará os esforços, estimulando o grupo para melhor qualidade dos resultados, outra ainda ficará mais como observadora etc. Ao nível sócio-emocional, alguns indivíduos aliviarão habilmente as tensões que surgirem, outros mostrarão solidariedade, ou discordância, ou aumentarão as tensões etc.

Os estudos de Bales registram a seguinte distribuição típica de comportamentos de interação dos membro no grupo: cerca de 12% de reações negativas, 25% de reações positivas, 7% de perguntas e 56% de respostas. Este resultado indica, claramente, que a maior parte da interação no grupo é realizada sob forma de respostas sem perguntas equivalentes, isto é, informações, opiniões e sugestões não pedidas. Menos da metade dos comportamentos interativos expressam reações positivas, negativas e perguntas.

Seria interessante comparar esses dados, que se referem a grupos típicos, normais, de universitários norte-americanos para resolução de problemas, como grupos nossos em reuniões de trabalho e verificar até que ponto os participantes também manifestam opiniões (eu acho ..., eu penso..., eu considero... ) e informações não solicitadas com à mesma freqüência, bem como a proporção das outras categorias. O leitor poderia fazer esta observação, empiricamente, sem preocupar-se com o rigor da pesquisa científica, apenas como base introdutória de reflexões pessoais sobre algumas dificuldades existentes no funcionamento e na eficiência de grupos de trabalho.

Interação ao nível de tarefa

Entre os papéis de facilitação da tarefa do grupo podem ser observados os seguintes:

Instrutor/Demonstrador

- Explica conceitos ao grupo, instrui sobre uma área de conhecimentos, traz fatos, dá instruções, apresenta exemplos gráficos, mostra como algo é feito.

Especialista

- Oferece conhecimentos especializados, relata descobertas de pesquisas e inovações.

Orientador

- Ouve cuidadosamente, usa questões de indagação não-condicionadora, utiliza abordagem não-diretiva para ajudar o grupo a pensar nos problemas e na técnica de análise de definição de problemas.

Observador/Confrontador

- Registra processos, comportamentos e eventos, relata e comenta coisas que existem, e como estão sendo feitas, relata dados comportamentais e percepções, dá feedback de sentimentos e impressões, usando episódios, incidentes e casos que podem ser confrontados pelos participantes.

Pesquisador/Indicador

- Elabora modelos para coleta de dados, recomenda fontes ou pessoas para pesquisa, recolhe informações para dados existentes e como as coisas estão sendo feitas, identifica as informações necessárias, as fontes de conhecimento básico necessário, traz o que é necessário para o grupo.

Elemento de ligação

- Elabora procedimentos de conexão entre pessoas e recursos, identifica os pontos de conexão entre sistemas e subsistemas, utiliza processos que interdependência ativa.

Planejador

- Determina metas e objetivos, identifica critérios de desempenho, limites, pressões, determina seqüência de atividades e estratégias de ação consistentes com metas e objetivos.

Gerente

- Determina fluxo sistemático de eventos, aplica modelos de avaliação de necessidades e planejamento, dirige e controla fluxo de recursos.

Diagnosticado

- Usa técnicas de campo de forças e outras, dados e observações sobre o sistema para determinar porque as coisas acontecem da forma como acontecem.

Avaliador

- Determina resultados comportamentais específicos, elabora referências de critérios.

Interação ao nível sócio-emocional

Entre as funções de manutenção do grupo, Benne e Sheats (1961) destacam as seguintes como construtivas ou facilitadoras.

Conciliador

- Busca um denominador comum; quando em conflito, aceita rever sua posição e acompanhar o grupo para não chegar a impasses.

Mediador

- Resolve as divergências entre os membros, alivia as tensões nos momentos mais difíceis através de brincadeiras oportunas.

Animador

- Demonstra afeto e solidariedade aos outros membros do grupo, bem como compressão e aceitação de outros pontos de vista, idéias e sugestões, concordando, recomendando e elogiando as contribuições dos outros.

Ouvinte interessado

- Acompanha atentamente a atividade do grupo e aceita as idéias dos outros, servindo de auditório e apoio nas discussões do grupo.

Papéis não construtivos

Em todos os grupos em funcionamento seus membros podem desempenhar, eventualmente, alguns papéis não construtivos, dificultando a tarefa do grupo, criando obstáculos e canalizando energias para atividades e comportamentos não conducentes aos objetivos comuns do grupo. Estes papéis correspondem a necessidades individualistas, motivações de cunho pessoal, ou a problemas de personalidade, ou até, muitas vezes, decorrem de falhas de estruturação ou da dinâmica do próprio grupo.

Entre esses papéis não-construtivos figuram os que seguem.

O dominador

- Procura afirmar sua autoridade ou superioridade dando ordens incisivas, interrompendo os demais, manipulando o grupo ou alguns membros, sob forma de adulação, afirmação de status superior etc.

O dependente

- Busca ajudar, sob forma de simpatia dos outros membros do grupo, mostrando insegurança, autodepreciação, carência de apoio.

O agressivo

- Ataca o grupo ou o assunto tratado, fazendo ironia ou brincadeiras agressivas, mostra desaprovação dos valores, atos e sentimentos dos outros.

O vaidoso

- Procura chamar a atenção sobre sua pessoa de várias maneiras, contando realizações pessoais e agindo de forma diferente, para afirmar sua superioridade e vantagens em relação aos outros.

O reivindicador

- Manifesta-se como porta-voz de outros, de subgrupos ou classes revelando seus verdadeiros interesses pessoais.

O confessante

- Usa o grupo como platéia ou assistência para expressar seus sentimentos, suas preocupações pessoais ou sua filosofia, que nada têm a ver com a disposição ou orientação do grupo na situação-momento.

O "gozador"

- Aparentemente agradável, evidência, entretanto, seu completo afastamento do grupo, podendo exibir atitudes cínicas, desagradáveis, indiferente à preocupação e ao trabalho do grupo através de poses estudadas de espectador, que se diverte com as dificuldades e os esforços dos outros.

A classificação de papéis funcionais no grupo em construtivos e não construtivos, conforme o esquema apresentado, não pode ser rigidamente aplicada. Um determinado papel desempenhado por um membro não pode ser julgado em termos absolutos, pois a interação não se faz no vácuo. Um papel facilitará ou inibirá as atividades e o desenvolvimento do grupo, sendo, portanto, construtivo ou não construtivo, a depender das necessidades do grupo e de seus membros naquela ocasião específica.

Assim, por exemplo, embora na classificação os esforços para harmonizar e reconciliar divergências entre membros figurem como tipicamente facilitadores ou construtivos, haverá ocasiões na vida do grupo em que a descoberta e a eclosão dos conflitos latentes, para posterior tentativa e possibilidade de resolução dos mesmos, sejam altamente desejáveis. Os comportamentos de conciliação seriam inibidores do desenvolvimento do grupo e, por conseguinte, papéis não construtivos nessa circunstância.

A competência interpessoal dos membros do grupo é desenvolvida à medida que eles se conscientizam da variedade de papéis exigidos para o desempenho global do grupo e se sensibilizam para o que é mais apropriado às necessidades existenciais do grupo e de seus membros num determinado momento da vida do grupo.

Bibliografia:

MEDEIROS, João Bosco "Redação cientifica : a prática de fichamentos, resumos, resenhas /Jõao Bosco Medeiro - 3. ed. - São Paulo : Atlas 1997.

ZIMERMAN, D.E., Osorio, L.C. et al. "Como trabalhamos com grupos."Porto Alegre: ArtesMédicas, 1997.

MOSCOVICI, F. "Desenvolvimento interpessoal."Rio de Janeiro: José Olympo, 1998.

GAYOTTO, Maria Leonor Cunha Conformação dos mitos grupais: Início de um gupo. Instituto Pichon-Riviére, Centro de Estudos dos Fenomenos Grupais: Familia, Instituição, Comunidade. 1988.

QUE É UMA SITUAÇÃO DRAMÁTICA?

Após vários estudos da quantidade de situações dramáticas existentes, o "vizir matemático" considerado no livro de Soureau revelou-nos de imediato que um cálculo bem simples, que toda pessoa habituada a fórmulas combinatórias está apta a fazer, mostrava que seis fatores combinados de acordo com cinco princípios considerados dão como resultado 210141 dispositivos (os duzentos mil do título é usado apenas como eufonia). Em primeiro lugar, uma consequência prática e perspectiva – é claro que mesmo em cem mil situações somente..., pode acontecer que algumas ainda não tenham sido usadas. Uma perspectiva tranqüilizadora para dramaturgos de hoje e de amanhã.

Nenhuma arte plástica suscita problemas tão perfeitos, ricos detalhados e demoradamente intensos quanto o teatro, com o qual só as outras artes literárias – o romance, por exemplo, e também o cinema, é claro – podem rivalizar. Nenhuma arte vai tão longe quanto o teatro no caminho das encarnações, das imitações concretas, das reconstituições materiais.

Para ampliar e ligar o pequeno cubo da realidade em que se transforma o espaço cênico ao restante, usarei ilusões de ótica; esforçar-me-ei para que se acredite que a caixa é muito maior e mais aberta para o exterior do que realmente o; prolongarei seu espaço real, pelas perspectivas do cenário. Permita-se –me também que, dentro da caixa, certa coisas sejam apenas esboçadas, convencionalmente apresentadas – o homicídio, a união sexual... Pouco importa: o princípio é constante, seja ele apresentado "no duro" ( as portas reais com fechaduras reais exigidas por Antoine: os beijos ou contatos muito audaciosos ) ou "no mole" ( os acessórios e cenários muito estilizados que predominam no teatro contemporâneo, as convenções apresentadas claramente como tais, etc. ); nuanças interesses estilisticamente, mas que não afetam a natureza das coisas nem o estatuto básico do teatro. E aí está, de modo geral, a regra do jogo. O microcosmo cênico tem o poder de por si só representar e sustentar satisfatoriamente todo o macrocosmo teatral, sob condição de ser tão "focal" ou, se preferirem, a tal ponto "estelarmente central" , que seu foco seja o do mundo inteiro que nos é apresentado.

Coloquemos cinco ou seis personagens numa situação arbitrária e provisória, numa relação de forças em equilíbrio instável. E vejamos o que acontecerá. Acompanhemos o jogo das forças , a necessária modificação das relações, os dispositivos variados que daí resultarão, de situação em situação, até o momento em que tudo se imobilizará – talvez por autodestruição de todo o sistema; talvez por cessação do movimento num dispositivo estável e satisfatório; talvez por retorno à situação inicial, pressagiando um perpétuo recomeço cíclico – em suma , até o desenlace. Mas acrescentamos aquilo que assegura o êxito da operação: é preciso que esses quatro ou cinco personagens consigam ( com os que os rodeiam na caixa ) fazer surgir em torno deles todo o mundo, em palpitação universal; mundo do qual eles são, por efeito da arte, o centro e o coração pulsante.

A relação estelar e interestrutural do microcosmo e do macrocosmo teatral, sucessivamente em dois sentidos diferentes foi apresentada: primeiro, imaginando o macrocosmo em toda a sua amplitude e observando que ele se concentra e se focaliza nesse microcosmo cênico e depois numa situação dada; em seguida, olhando esse microcosmo colocado em situação, e observando que, pouco a pouco, ele gera e comanda todo um universo.

O que vale, para entrar numa obra, é a relação fundamental entre o cosmo da obra e seu pequeno núcleo estelar de personagem, sem importar se o autor for indo do centro para a periferia ou vice-versa.

O que constitui o interesse artístico de uma peça de teatro pode ser bastante diverso. Este interesse incidirá, às vezes, no conjunto do universo da obra, no ambiente histórico, geográfico ou moral.

Eis por que existe teatro de caráter, ou teatro de situação ou teatro de ambiente (social ou histórico), ou teatro de idéias, etc.; isto é sempre teatro parcial.

Um tratado completo de teatro deveria examinar sucessivamente pelo menos todos esses fatores: o autor, o universo teatral, os personagens, o local, o espaço cênico, o cenário, a exposição do tema, a ação, as situações, o desenlace, a arte do ator, o espectador, as categorias teatrais: trágico, dramático, cômico; finalmente as sínteses: teatro e poesia, teatro e música, teatro e dança; e para terminar, tudo o que se relaciona indiretamente ao teatro: espetáculos variados, circo, marionetes, etc.

Só queremos tratar aqui de um único desse problemas. Mas o que escolhemos - o problema das situações - dá sobre a natureza da obra teatral uma percepção certamente ligada ao essencial.

Os fatores elementares das situações são forças. Pode ser conveniente precisar que a situação inteira é um dado essencialmente dinâmico. A expressão situação dramática (destinada a marcar bem esse caráter dinâmico) deve ser tomada em sentido teatralmente bem amplo e não em referência a um gênero teatral estreitamente definido.

O próprio nome drama significa ação e ninguém tem duvida de que a ação seja essencial à coisa teatral. É preciso, para que haja ação, que a pergunta: "Que aconteceu em seguida?", a resposta resulte forçosamente da própria situação e dos dinamismos interiores de cada momento cênico.

Chama-se tradicionalmente de "motivação ou mola dramática" toda força global inerente ao cosmos teatral e apropriada para caracterizar as razões gerais ou locais da tensão das situações e do progresso da ação.

Por outro lado, o que caracteriza o desenlace é deixar-nos numa situação duradoura, relativamente estática. É entre essas duas que deva funcionar a motivação dramática, principalmente naqueles momentos onde ha possibilidade de que o microcosmo tenha que receber um choque vindo do macrocosmo, do qual jamais fica isolado.

Um problema, entretanto surge aqui: deve-se colocar à parte as situações dramáticas, e outras que lhe são nitidamente opostas como as situações cômicas?

Na realidade, todas as situações teatrais participam mais ou menos do mesmo gênero dramático e até mesmo as situações cômicas são muito difíceis de separar das situações dramáticas assim é preciso que se diga: 1º ) não existe situação cômica em si; 2º ) toda situação cômica comporta necessariamente a possibilidade dramática; 3º ) obtém-se o caráter cômico por uma redução ativa. artisticamente desejada e dinâmica dessa dimensão.

Conseqüência: oferecendo 200 mil situações dramáticas, estamos dando também 200 mil situações cômicas.

Enfim uma situação dramática é a figura estrutural esboçada, num momento dado da ação, por um sistema de forças. Essas forças são funções dramáticas e em nome delas, cada personagem, é unido à ação.


BIBLIOGRAFIA:

SOURIAU. Etienne. "Que é ma situação dramática" In: As Duzentas Mil Situações
Dramáticas. Trad. de Maria Lúcia Pereira com a colab. de Antônio Edson Cadengue. São
Paulo. Ática. 1993. [pp. 11-43]